TRATADO DO CANTE:
O “CANTE” ALENTEJANO
Pelo padre António
Marvão
O padre António
Marvão, Alentejano da Amareleja, desaparecido do mundo dos vivos em 1993, foi
um enorme entusiasta do “Cante”, como o atestam várias obras publicadas, a
última das quais, lançada em 25 de Junho de 1997, através da INATEL, em
Beja.
Sem pretendermos
gerar controvérsias, se calhar bem interessantes nesta matéria, transcrevemos
alguns textos de sua autoria constantes aliás de uma intervenção na Academia de
Ciências do Porto, há uns bons 40 anos:
“... O Cante
Alentejano é uma polifonia simples, a duas vozes paralelas, à terceira
superior. Como polifonia, situamo-la na época em que esta tinha o principal
lugar na música, toda ela vocal, a que se deu o nome de milénio vocal, uma
polifonia sem instrumentos.
O Cante Alentejano é
composto de modas, nas quais sobressaem , em algumas delas, dois sistemas
musicais, inteiramente distintos: o sistema modal, em uso durante toda a Idade
Média, e o sistema tonal, já fruto do Renascimento...
(...)
Características
das modas Alentejanas:
-
São todas em tons maiores;
-
Têm algumas o soluço eclesiástico, ou pausa para respirar;
-
Têm algumas o acorde de trítono, que Arnld Schomberg baniu da harmonia, ao
inventar a dodecafonia seriada;
-
Não existem modulações;
-
Principiam, muitas delas, pelo acorde de subdominante;
-
Serem uma polifonia a duas vozes paralelas, à terceira superior.
(...)
... Os cantadores Alentejanos, geralmente
homens do campo, cantam em grupo, divididas as vozes em três naipes: o ponto, o
alto e as segundas vozes (baixos).
A função do ponto é
iniciar a moda, retomada depois pelo alto, e em seguida pelas segundas vozes,
constituindo assim o coro. É função específica do alto preencher as pausas com
as “vaias”, no fim das frases musicais, exceto na última - assim uma espécie de
ponto na primeira voz...
(...)
... O Cante Alentejano tem sentido do amor, da
saudade e da tristeza, embora associado a outros temas...
(...)
... Das 206 modas do Cancioneiro Alentejano,
114 (55%) falam do Amor. Das restantes 92: cantam a Saudade 7, a Morte 16 e a
Tristeza 17 …
(...)
... O Cante Alentejano tem origem na Vila de
Serpa. As escolas de polifonia clássica do século XV, em Évora, foram
frequentadas por alguns frades da Serra de Ossa, mandados para Serpa onde
fundaram o Convento dos Paulistas e “Escolas de Canto Popular”: - Destas
escolas deve ter saído o Cante Alentejano...
(...)
... O Cante Alentejano representa a cultura
popular tradicional do povo do Baixo-Alentejo, de um valor extraordinário, com
a sua identidade própria, as suas características específicas e a sua peculiar
interpretação...
(...)
... A cultura, representada no Cante
Alentejano, traduz a perfeita imagem do povo Alentejano, no seu quotidiano,
durante séculos, e que se mantém viva, em toda a sua beleza sentimental e
nostálgica, que embalou a sua gente, a fez trabalhar, cantar, chorar, sofrer,
rezar e morrer, numa epopeia bem digna da pena de um novo, ainda que rústico,
épico...”
In: Boletim do Cante
Alentejano º. 1, de Setembro de 1997
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