BOLETIM
DO CANTE ALENTEJANO Nº. 2 - OUTUBRO
DE 1997
O
“Cante“ de Armando Leça.
"Da
conferência realizada na Casa do Alentejo em Lisboa na noite de 30 de Novembro
de 1940, durante a qual se exibiu um “ Rancho Misto de cantadores de Vila Verde
de Ficalho”, permitimo-nos transcrever algumas frases curiosas do prof. Armando
Leça:
“
Que se dança no Baixo Alentejo ?
Nem
o Vira, o Malhão, a Vareira, a Tirana, Verdegaio ou a Farrapeira, porque as
fases coreográficas de tais bailios regionais, o desembaraço dos pares, o
mexido dos pés, os saltos, o rodopiar ágil, não se adaptam à sobriedade da gente
do Baixo Alentejo. Dançam, sim, balham, mas à sua maneira. Uma das suas
quadras, o explica:
Para
tocar o algarvio,
Para
fandango o Ribatejo,
Para
campinos, Borda-de-Água,
P’ra
cantar o Alentejo.
No
Baixo-Alentejo as romarias não se sucedem de Maio a Outubro, como no Norte. Ao
S. Gonçalo de Amarante ou à Senhora da Abadia há as promessas de romeirinhas
que, palmilhando léguas, cantam em côro quadras em louvor dos Santos
milagrosos; no Baixo-Alentejo ouvireis apenas no último domingo de Setembro, o
côro dos que vão à Senhora de Aires, - imagem tão pequena e senhora de tão
grande templo - ; vão mais pela feira famosa do que em promessas.
(...)
No
Baixo-Alentejo também balharam o Fandango e mais danças desusadas. No terreiro
da Senhora d’Aires- no seu dia - ainda talvez vejais os pares folgando com a
contradança, se aparecer algum tocador de flaita, a gaita de bêço no dizer dos
estremenhos.
(...)
OUTONO!
À tarde acinzam-se as serranias de Espanha e algarvias, os cabeços de Ficalho e
Mértola.
Quem
se lembrará do tamborileiro no dia da Senhora das Pazes e dos florescentes
eloendros abeberados no Chança?
A
manta e a samarra já os maiorais do gado as não dispensam.
Lavrar.
Semear.
Queimadas
nas herdades.
Nas
oliveiras - tantas esculturas de corpos decepados, braços implorativos,
silhuetas eróticas - ; nos olivais amadurece a azeitona.
Chegado
é tempo dos alqueives; a charrua, puxada pelas muares com guizos nos cabrestos,
desagrega a terra, retalha-a para que ela fecunde as sementeiras e nos dê: - “
O pão nosso de cada dia”.
Ouve-se
então, pelas campinas, ao trabalhador, a moda da lavoira, descansadamente,
rematando cada verso com interjeições improvisadas.
Ouvi!
Entoa a moda da lavoira, o ficalhense Bento Sargento Pereira:
Cantar
há muito quem cante,
Preceito
é de quem no tem.
Hoje
em dia não se sabe,
Quais
são os que cantam bem.
No
Baixo-Alentejo cantam-se os coros em atitudes e respeito, de concentração, quer
seja na arruada, nos trabalhos ou nas Vendas à volta das mesas, bebendo,
bebendo..., com as mãos enconchadas às bocas.
Quadros
de Malhôa !
Cada
grupo ou cada moda têm os seus pontos, isto é, vozes escolhidas que começam,
sós, os coros.
O
ponto canta as letras, quadras variáveis; o alto - requinta - sobrepõem-lhe a
voz harmónica, floreando-a na moda - estribilho - e os baixos completam a
harmonização dêstes excelentes orgãos humanos. Há variantes na entrada do côro
e do alto. Êste, por exemplo, ataca na primeira sílaba um verso ou antecede-a
com um- ai ou a conjugação e... como guia dos baixos que entoam logo, até
cortando os vocábulos.
(...)
Em
recolhimento místico ouvem-se corais dum BACH!
Com os olhos postos na majestosa planície do Baixo-Alentejo ou
evocando-a, é que compreenderemos, sentiremos a étnica dos seus coros.
Predominam
as vozes de homens, como no Minho as das Mulheres.
Aqui
a carreteira, estirando-se por entre sobreirais e clareiras, é quási rectilínea
aos caidos montes.
(...)
Se,
agora, cantando horas e horas, perguntássemos aos componentes dêste afamado
grupo ficalhense como de outras terras alentejanas, quantas modas ainda ouviríamos
de novo, responderiam: “em calhando”, até ao aclarar do dia..."
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