NO BOLETIM DO CANTE
Nº. 2 - OUTUBRO DE 1997
“COMUNICAR ATRAVÉS
DAS MODAS
A relação médico -
doente é fundamental para um bem estar físico, psíquico e emocional do doente.
Em situações graves
em que os doentes estão em perigo de vida, nomeadamente, nas Unidades de
Cuidados Intensivos, onde existe um arsenal de equipamento médico que de alguma
maneira torna um espaço mais mecanizado levando a situações de maior “stress”
emocional, quer ao doente, quer ao médico. Esta situação é minorada quando a
empatia médico - doente se torna uma realidade.
É a propósito de um caso de um doente
internado numa Unidade de Cuidados Intensivos cuja relação entre o médico e o
doente foi útil para um melhor bem estar físico, emocional e biológico deste.
Trata-se do Sr. José
Paixão de 80 anos de idade, natural da Salvada (Beja) que após viuvez, iniciou
um quadro clínico sugestivo de doença oncológica (cancerosa). Para um melhor
esclarecimento da sua doença e acompanhamento familiar, foi trazido para
Lisboa, onde foi submetido a intervenção cirúrgica complicada sendo por isso
internado numa Unidade de Cuidados Intensivos de um Hospital Central.
É do conhecimento da
classe médica de que os doentes alentejanos são em regra geral pacientes,
colaborantes e com uma grande capacidade de sofrimento, por vezes “estóica”.
O “tio” Zé Paixão não
fugindo a esta regra, no entanto e perante o internamento do qual não fora
avisado estando permanentemente sob vigilância médica, conectado ao ventilador
e monotorização cardíaca, envolvido por sistemas “complicados” para um doente
que nunca tinha sido internado mostrou - se inicialmente pouco receptivo e com
um negativismo marcado por má aceitação da “agressividade” a que fora submetido
na tentativa de lhe prolongar a vida.
O médico que o
tratava na Unidade de Cuidados Intensivos, também ele alentejano, conhecedor
das vivências e da cultura alentejana cedo se apercebeu de que se tratava de
uma situação grave, desta forma, adoptou a mesma forma de falar, a mesma
pronúncia e expressividade características da sua região (Beja). Assim se
iniciou o diálogo:- “ Atão “ti Zéi” vamos até ao Alentejo?”
Este respondeu com os
seus olhos expressivos uma vez que não podia falar dado que se encontrava
entubado e ligado ao ventilador. O olhar foi a forma mais prática de comunicar
entre os dois intervenientes. Perante tal encontro, o ti Zé, apercebeu-se que estava com a sua gente, tornando-se por
isso mais colaborante, e recetivo aos tratamentos aplicados.
Na hora do silêncio,
um novo diálogo surge;
-Atão ti Zéi, cantamos
a moda?
Ao que o tio Zé
responde com um leve brilho no olhar.
O médico começa numa
toada baixinha, muito baixinha, a moda:
Alentejo, é nossa terra
Oh quem nos dera, lá estarmos
agora
Prà` a mocidade, com saudade,
Ouvir cantar, como ouviu
outrora...
O tio Zé com a
emoção, olhos razados de lágrimas, agarra a mão do médico com força como que
estivesse pela última vez ouvindo o mais belo cante da planície. Da mesma forma
o médico não teve mais palavras, senão um desvio de olhar com a lágrima ao canto
do olho. Ao presencear tamanho acto de solidariedade humana, a enfermeira
sente-se sensibilizada e comenta... “ Só mesmo os alentejanos!!” “Só mesmo
eles!!!”
Como é habitual em
Unidade de Cuidados Intensivos, os doentes necessitam de ambiente anti-stress,
pelo que é utilizado música clássica ou outra como forma de bem estar assim
juntamente com “Fellinni”, “Bethoven”, “Verdi”, “Pavarotti”, juntou-se um
especial CD “É Tão Grande o Alentejo” cantado pelo Grupo Coral os “Ganhões” de
Castro Verde, tendo o tio Zé Paixão tido a oportunidade de ouvir o profundo
cante do Sul até á sua “última” viagem. Pena é que não tenha sido tocado também
um CD do Grupo Coral da Salvada.
Em homenagem ao
alentejano...
Que se cante à
alentejana!!!”
José Simão Miranda
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