TRATADO DO CANTE - Comunicação de Artur Mendonça no CCA
Congresso
do Cante Alentejano
Beja,
8 e 9 de Novembro de 1997
PAINEL D VALORIZAÇO
DO CANTE ALENTEJANO
-
Ensino e Etnografia
Comunicação de Artur Mendonça
Boa tarde. Desde e
desde que com mais afinco eu tenho estado ligado ao cante alentejano, talvez
por defeito de origem, houve um aspecto que me chamou particularmente a atenção
que foi a componente artística. Digamos a componente artística em subsídio
junto àquela espectacularidade dos cantores concerteza e da sua base de origem
e da sua maneira de cantar sui generis, da sua maneira de desfilar, etc.. Eu
normalmente não gosto muito de escrever, de qualquer maneira para abreviar as
questões escrevi e vou passar a ler: A componente artística, cenografia,
luminotecnia e sonoplastia são subsídios para enriquecimento. Mas as funções
dos grupos corais, a componente artística será factor a ter em consideração,
ponderadas as devidas condições, isto é, atendendo ao local de actuação ou
chamados factores envolventes. Talvez por deformação profissional, quando
estamos em presença de qualquer facto que nos sensibilize e nos faça pensar
numa hipotética criação artística, imaginamos logo as diversas formas de criar
um espectáculo, tanto quanto possível inédito ou pelo menos pouco visto. E ao
vermos actuar grupos corais, não fugimos à regra de nos vir à memória uma
encenação, envolvendo tão nobre quanto estranha, tão poética como profunda
forma de cantar, porque não se trata de um cantar por cantar em plano fixo com
uma assistência mais ou menos numerosa, mais ou menos atenta. Não! Trata-se
realmente de um espectáculo que urge dinamizar introduzindo-lhe técnicas,
textos, movimentos, sem que isso evidentemente não venha beliscar com o cante
em si, perturbando-o, vulgarizando-o, ou pior, diminuindo-o. Se num desfile
numa qualquer cidade ou vila com os grupos intervalados de algumas dezenas de
metros, não será possível introduzir grandes meios técnicos, mesmo assim, pode
resguardar-se a parte cenográfica e de luz, exactamente, neste último caso, se
o desfile tiver lugar à noite, como é lógico. Já a captação de som será muito
difícil e por muito aperfeiçoado e fidedigno que seja o sistema, correm-se
riscos evidentes desnecessários de distorção de vozes e saída por cima, ou
seja, um grupo sobreposto por outro onde as condições atmosféricas podem
intervir decisivamente. Estamos a falar de ventos dominantes e seus derivados.
Mas imaginamos agora como pode ser bonito desfilar numa praça com motivo
central atractivo e ou imponente, estamo-nos a lembrar de uma estátua, um
fontanário ou outro qualquer elemento, e contra a leitura, o desfile,
contornando ritmado o perímetro exterior de tais motivos, juntando-se-lhe agora
à noite uns projectores fixos e de acompanhamento com cores fixas neutras ou
brilhantes a condizer, e aí teremos um espectáculo de rua necessariamente com
um percurso não muito longo. Mas debrucemo-nos agora na hipótese de um espaço
fixo e aí as condições melhoram consideravelmente. Vamos distinguir entre
espaço aberto ao ar livre como soi dizer-se e espaço fechado em teatro,
auditório, arena ou outros. Ainda no primeiro caso, entre período diurno ou
nocturno. Estamos a falar no espectáculo fixo ao ar livre. Desde logo a
captação de som deverá ser apurada com tomada individual no ponto alto, não
descorando o coro dos baixos, depois o cenário com aproveitamento exaustivo dos
elementos exteriores, locais, estamos a lembrar os coretos, as escadas, as
frontarias dos edifícios que as há espectaculares como sabem neste país,
junte-se a isto a noite com o seu mistério. Adaptem-se projectores ao espaço
próprio dos cantores, elimine-se também os elementos anexos ao palco,
valorize-se com luz o traje do coral, melhor se tiver a componente de trajo
típico naturalmente, autêntico, e aí teremos uma mais bela visualização do
conjunto. Finalmente o espectáculo em recinto fechado. Aí a imaginação e arte
está no campo dos luminotécnicos, dos cenógrafos, dos sonoplastas. Esta não é
propriamente a nossa área mas partindo de algumas pistas, estamos a recordar
por exemplo o som produzido num altar duma igreja como há tantas neste país, o
canto cose-se com as paredes, sobe, entra nas pessoas e quase se dispensa o
microfone. A pedra fica mais viva, a madeira brilha, as imagens ganham vida e a
simbiose com o grupo ou grupos fica perfeita e o sonho é possível. Depois temos
os grandes teatros deste país e não nos referimos aos grandes centros pois é
possível em pequenas localidades encontrar salas de espectáculo perfeitamente
aptas a receber qualquer tipo de criação, assim haja imaginação dos nossos
criativos que os temos e bons. Nos espaços fechados sem condições de teatro,
logo sem teia (é aquela coisa que funciona onde descem os cenários que estão lá
presos) sem barras de projectores de iluminação, sem cortinas, as variedades
são muitas e quase todas más. Portanto, sem condições de imaginar um
espectáculo com palcos muitas vezes improvisados, escadas mal direccionadas. Eu
já vi grupos com extrema dificuldade em subir escadas, o que é perfeitamente
normal, porque elas não estão direccionadas, não têm condições, aí terá de
falar mais alto a imaginação, quando pioram situações tem que se pôr a
imaginação a funcionar., criando situações que disfarcem os erros, por vezes
insanáveis de construção e concepção e concepção dos espaços onde actua. A
captação do som trona-se difícil, a iluminação torna-se complicada e
cenograficamente em termos do ambiente criado quase chegamos a zero. Vamos
agora ainda mais longe e vamos encenar um coral num anfiteatro tipo auditório.
O público entra na sala, faz-se escuro total e então acende-se um foco muito intenso
dirigido ao estrado, ao palco. Então o coro como já está previamente colocado
durante o escuro, ataca uma moda forte. Depois a luz pode mudar. Apaga o foco
que ilumina o estrado e o grupo, em andamento, vai cantando outra moda a
terminar já em cima do estrado. Ainda pode mudar outra vez a luz: mais azul,
mais límpida, e ataca-se com uma linda moda de namoro que as há. Falemos agora
em várias ideias. Poderemos avançar para um palco normal onde, conforme os
recursos existentes, podemos avançar com formas perfeitamente espectaculares.
Imaginem um coral a descer da teia, portanto com elevador isto é possível, sem
barulho, sem as pessoas terem qualquer tipo de perturbação, isto é, com meios
técnicos é possível e as pessoas com luzes não dão por isso e de repente estão
no palco ou escadas em andamento convergentes como é possível fazer sem grande
alarido com os grupos perfeitamente em segurança, deslocando-se em círculo ou
semicírculo com um palco giratório cantando. Junte-se a luz, o som e as ideias
são infinitas. Lançamos a ideia de criar um espectáculo integrando um grupo
coral com um texto a preceito fazendo o grupo o personagem principal. Não vamos
falar em televisão e cinema onde os recursos são outros e os corais não sairão
nunca diminuídos. Haja em vista o mínimo de condições e direcção de realização.
Eu chamo a vossa particular atenção para o espectáculo muito recente do Grupo
de Pias no programa “1 2 3”. De repente, eu que estava a seguir o espectáculo
deparei-me com uma coisa que eu nunca tinha imaginado: é a luz, o enquadramento
da luz. Eu sabia que na televisão se captava muito bem o som. Eu sabia que o
cenário podia ser mais ou menos bonito. Ora nunca imaginei que fosse possível
iluminar o grupo com aquelas sombras criadas pelo chapéu, pelo cajado, enfim
pelos safões. Tudo isto cria sombras e luminosidades próprias. Este tema é
inesgotável mas vamos ficar por aqui. Dir-nos-ão que há coisas a resolver muito
mais importantes na problemática do cante alentejano e estamos perfeitamente de
acordo. A parte artística pode funcionar como mola impulsionadora. Nós diríamos
decisiva. A palavra seguinte compete aos grupos, aos encenadores, aos
argumentistas, à gente interessada da nossa terra. Nós aqui deste cantinho
estamos prontos a colaborar modesta e desinteressadamente para levar este
autêntico tesouro esquecido às ribaltas da nossa actividade cultural que bem
merece.
Obrigado!
Artur Mendonça
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