TRATADO DO CANTE:
Comunicação do Dr. José Simão Miranda, do Grupo Coral "Os Alentejanos" da Damaia
Congresso
do Cante Alentejano
Beja,
8 e 9 de Novembro de 1997
PAINEL
C PERSPECTIVAS FUTURAS DO CANTE
Comunicação do Dr. José Simão Miranda, do Grupo Coral "Os Alentejanos" da Damaia
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Eu queria dizer antes de iniciar a prelecção, eu queria desde já agradecer ao
José Pereira, pois este trabalho ou uma parte deste trabalho, é baseada no
livro dele, o livro “Corais Alentejanos”. De resto, é um livro que se recomenda
que toda a gente leia. É feita uma análise estatística dos grupos existentes
baseada no número de elementos, média de idades, etnografia e depois as
perspectivas para o futuro. E lembrando o que já foi dito aqui, muita coisa, os
primeiros grupos a aparecerem foram em 1926 mais propriamnete o grupo de
Aljustrel. Esta é a primeira formação do grupo coral. Obviamente que já se
cantava há muitos anos mas os grupos não estavam formados ainda. Se calhar as
minas foram pretexto para que se organizassem em grupo coral. Até 1964, havia
apenas 18 grupos corais, 14 no Distrito de Beja, 3 no Distrito de Évora e 1 no
Distrito de Lisboa, não contando com aquele grupo que apareceu na Casa do
Alentejo por volta dos anos 60, esse grupo foi dissolvido, e aparece
posteriormente o primeiro grupo que é o Grupo Coral da Amadora em Lisboa como
grupo organizado. No total de grupos até 1997 surgem 107 grupos corais. Pode
ter surgido mais algum nestes últimos tempos que não está ali referido mas são
sensivelmente 107 Grupos Corais.
Pronto,
e aqui se mostra o número distribuído por Distritos. Assim, dos 107 Grupos
Corais são 63 no Distrito de Beja, 13 no Distrito de Évora, 6 no Distrito de
Setúbal, e 25 no Distrito de Lisboa. Destes, de Beja, 7 são femininos, 5
infantis. Évora existem 2 grupos musicais, em Setúbal, um musical, e um
feminino, e em Lisboa, 3 musicais e um feminino. O número de elementos dos
grupos corais, isto mobiliza um número significativo: 2.486 elementos, sendo
homens 1974, mulheres, 196, e crianças 163, e dos grupos musicais entre homens
e mulheres, 151 elementos. Agora referimos os grupos corais por média de idades
por Distrito. Assim, temos no Distrito de Beja , a média de idades é 56 anos,
as mulheres de 51 anos, e a média de idades dos grupos infantis é 8 anos de
idade. O Distrito de Évora a média de idades é de 50 anos e no Distrito de
Setúbal, 42 anos, e o Distrito de Lisboa é o grupo etário mais velho que se
apresenta com a média de idades de 57 anos. De referir que em Setúbal beneficia
um pouco pelos grupos musicais, com a média de idade que faz baixar a média de
idades, Évora que também tem um grupo relativamente jovem, que é um com a média
de idades à volta dos 35-36 anos, o Grupo do GNR, e Beja acaba também por
beneficiar um pouco com os grupos que já estão incluídos, o grupo que já foi
aqui referido hoje, de Santo Aleixo da Restauração, cuja média de idades anda
por volta dos 30 anos. Também foi estudado, isto foi tudo como já referi, no
livro do senhor José Pereira, os grupos Etnográficos, aqui nós tivemos o
cuidado, enfim, de ver muito bem até que ponto é que era Etnografia. Aqui pode
haver discussão, pode ser polémica, pode ser polémica na medida em que há
grupos que se apresentam apenas com fatos domingueiros, e esses não foram de
facto considerados. Há aqui grupos muito
velhos, mas mesmo muito velhos, no entanto eles nunca vestiram
etnograficamente. Isto é uma questão quente do Congresso e provavelmente vai
sair daqui algumas ideias acerca disso. De facto são 19 grupos que representam
a Etnografia do Alentejo. No Distrito de Beja, aparece à cabeça como é óbvio,
com 11 corais masculinos, 2 nas mulheres e 3 infantis, apresentam representando
verdadeiramente etnograficamente. Eu digo etnograficamente porque há grupos que
representam as várias classes sociais, outros só as camponesas, outros só os
ceifeiros. Esses representam, efectivamente a etnografia. O distrito de Setúbal
aparece um, é Grândola, e curiosamente, ou infelizmente, diria eu, em Lisboa,
zero. Se calhar muitos vão ficar chocados, ficarão chocados, eu também faço
parte de um grupo de Lisboa, mas efectivamente Lisboa não representa nem nunca
representou nem quando esteve na Casa do Alentejo, nem a própria Casa do
Alentejo quando teve o Grupo Coral, também não representou etnograficamente.
Teve sempre um fato domingueiro, um fato de calças pretas, uma camisa branca,
que não é etnografia. Tenham paciência! Aqui chamaram-se fardas, eu acho que
chamar farda a um Grupo Coral é extremamente grave, na minha opinião. Considero
que não é uma farda, é um traje ou trajo, como quiserem, que os grupos devem
vestir. Passamos à frente. E assim podemos concluir. Conclusões: verifica-se,
portanto, que no pós-25 de Abril há um aumento significativo, até aqui havia 18
grupos corais e há uns que desapareceram. De referir também alguns grupos
infantis antes do 25 de Abril nomeadamente na Mina de S. Domingos e em Serpa,
que depois terminaram. Verifica-se então um aumento dos Grupos Corais após o 25
de Abril, um aumento em sensibilidades (idades?) que não é muito alta, uma
maior participação das mulheres, que até aqui não tinham aparecido, apareciam
esporadicamente inseridas em grupos, eu lembro-me do Grupo de Serpa ter duas ou
três mulheres, e outros grupos, o aparecimento de Grupos Infantis agora há
muito pouco tempo, enfim, graças, já foi aqui referido, à Cortiçol, ao Ferreira
do Alentejo e à Margem Esquerda, nomeadamente em Pias, o aparecimento de Grupos
Corais, isto é uma questão polémica, apareceram de facto alguns mas são poucos
os que eu refiro porque os Grupos Corais, os grupos musicais, antes foi falado
o trio Odemira, foi falado o trio Guadiana, era apenas um trio, mas de facto
isso é mais discutível porque eles divulgaram muito o cante alentejano. Enfim,
não na forma pura, mas de alguma forma também lhe deram a sua divulgação. Mas
não são classificados aqui. Por outro lado, uma descentralização dos Grupos
Corais para a área da Grande Lisboa, e verifica-se apesar de tudo, apesar dos
grupos de facto não se apresentarem etnograficamente representados, mas há de
facto uma vontade na preservação das raízes culturais do cante. Não há dúvida
nenhuma que os grupos de Lisboa e os outros grupos tentam ou pelo menos
esforçam-se para isso, para a preservação do cante. Isto é o que se verifica,
embora houvesse uma grande décalage, um grande diferencial durante estes anos
todos, tanto mais de referir que em 1966 foi feito um estudo por um professor,
Ranita Nazaré, na realidade fez uma tese, já foi aqui referido e ele fez o
estudo na altura só com 12 grupos, eles eram 18, mas ele procurou 18 musicando,
ele próprio musicando, ele chama espécimes, modas no sentido da letra, músicas
diferentes. E em função disto, há que pensar. Estou atrasado? Não estou
atrasado. É isto mesmo: o que somos, o que queremos, e para onde vamos. Há que
pensar nisto. Vamos então concluir. Só dar umas achegas. Reorganizar os grupos,
também já debatido, eu só falo em duas coisas importantes: os mestres! Os
mestres são de facto coisa importante, muito importante, na minha opinião. E
lembrava que recentemente tive oportunidade de estar em Cuba e assistir a um
ensaio do Grupo “Os Ceifeiros de Cuba”, de facto fiquei maravilhado, eu já
conhecia o grupo há muitos anos, era eu bem crianças quando os ouvi cantar em
Lisboa, numa casa onde trabalhei que se chamava “O Folclore” ligada ao SNI, e
de facto fiquei, na minha memória, ficou de facto aquela imagem que eu nunca
mais esqueci e vim curiosamente há bem pouco tempo, depois de eu cantar num
grupo há vinte anos, assistir a um ensaio dos Ceifeiros. E o Mestre, o Mestre
Ermelindo Galinha de facto marcou-me, marcou-me a forma como ele ensaia. E eu,
é o exemplo que eu refiro, há outros seguramente, há outros. Mas faço aqui um
apelo que se faça através de vídeo, de cinema, como é que se faz um ensaio. É
um exemplo que se pode transmitir aos outros grupos, quer enfim às escolas,
porque tem de ficar registado esta forma de ensaiar. Em relação aos
dinamizadores, outra questão que acho que é polémica, mas eu enfim estou
autorizado a fazê-lo na medida em que eu sou um dinamizador do grupo,
dinamizador, porta-voz, não sou mestre, claro, sou apenas o porta.voz. Como não
sei cantar muito bem, enfim, mas canto, faço o baixo e acho que já é muito, sou
o porta-voz, transmito a realidade do grupo, falo do cante em si, mas canto há
vinte anos, vinte anos que ando vestido com o traje, com a farda do grupo,
porque é um grupo de Lisboa e não tem chapéu, já teve, agora não tem, tem uma
camisa branca, enfim, uma coisa que eu não gosto muito, eu defendo muito a
etnografia, mas um grupo com dificuldades enfim, temos essas dificuldades, mas
a partir de agora somos capazes de pensar mais nisso. E isto a propósito dos
dinamizadores, eu conheço alguns, alguns estarão aqui na mesa, provavelmente
ali será outro, nós no Secretariado seremos alguns dos dinamizadores dos
grupos, e parecem-me que a maior parte deles de facto não vestem o traje, estão
aí a minha opinião parece que se dá uma imagem um pouco intelectual e isso em
minha opinião não é de bom-tom, eu dá-me a ideia que os dinamizadores deveriam
estar vestidos ao lado do grupo nem que não cantassem, cantassem só baixinho,
mas que tivessem lá com a farda representando o grupo, dando uma melhor imagem
porque o grupo era muito mais valorizado. Raízes etnográficas: mantê-las vivas,
amanhã penso que vai ser um tema quente, eu não me vou alargar muito sobre
isto, divulgação do cante, eu também queria falar sobre isto, mas já falei de
muita coisa, penso que não vamos, divulgação, a divulgação já foi aqui também
muito falada, cada vez mais temos que o divulgar, seja através de vídeo,
através de gravar coisas que foram aqui referidas, enfim, fazer monitores, de
qualquer modo este Congresso se calhar vão sair daqui muitas coisas porque já
muitas coisas foram abordadas, e eu não vou repetir-me.
Um
ponto importante que eu penso é trazido para aqui, eu tomei a liberdade de o
trazer, enfim, com um, de alguma forma eu posso ser criticado mas porque este
estudo, enfim é feito de uma forma subjectiva: a contribuição do cante para a
saúde. Até que ponto é que isto pode ser verdade? (…) Se calhar não corresponde
inteiramente à verdade há outras zonas do país em que o suicídio é capaz de ser
maior ou igual, no entanto, como culturalmente nós assumimos o suicídio com a
nossa dignidade que temos e, assumimos e como é de notificação obrigatória
habitualmente os Delegados de Saúde notificam sempre porque enfim não se põe o
problema da religião, o padre ou vai ou não vai para nós é um pouco indiferente,
enquanto no norte não é assim, enquanto no centro não é assim, nas grandes
cidades não é assim. Todos os dias chegam aos hospitais tentativas de suicídio
e esses números não são notificados. E lá estão os alentejanos a pagar sempre.
São aqueles que se matam sempre, são aqueles, enfim, e eu não acredito muito
nestas estatísticas. No entanto, o que eu queria referir na minha experiência
em Beja, parece ter, não houve um estudo científico mas o colega da
psiquiatria, só existe um psiquiatra em Beja, de facto debruçou-se sobre isso,
conversámos muito sobre o cante e sobre as coisas, ele não sendo alentejano,
estava interessado nessa matéria, e verificou que os grupos como sabem depois
da viuvez, enfim depois da viuvez há uma depressão. No primeiro ano da viuvez
há uma depressão e se realmente as pessoas ficam fechadas em casa vestidas de
luto seguramente estão em maior risco, sobretudo não sendo acompanhadas o
suicídio pode acontecer. Os cantadores dos grupos se cantarem, se voltarem a
estar activos com a solidariedade dos amigos, dos camaradas do cante, dos
colegas, como quiserem, o risco de suicídio é muito menor. Isto significa que
efectivamente o cante tem alguma importância na profilaxia do suicídio. Isto o
estudo não é feito mas parece ter algum peso, algum valor. A outra parte de que
queria falar em relação à saúde é também a minha experiência a nível
hospitalar. Eu neste momento trabalho em cuidados intensivos e de resto já fiz
um artigo que hão-de receber e tive a preocupação quando me aparecem doentes
alentejanos enfim, eu tenho sempre, há qualquer coisa que atrai porque é
alentejano, enfim porque está ali um pouco abandonado, não é? E não há dúvida
de que, quando me apareceu um doente pela primeira vez alentejano e não era
nada receptivo aos tais cuidados intensivos, eu cantei-lhe uma moda baixinho e
entretanto depois pensei em introduzir, porque nas unidades de cuidados
intensivos ou outras unidades mais diferenciadas, existe música e eu pensei que
poderia ser útil aos doentes que estavam naquelas unidades, em vez de pôr outra
música, dedicar um C.D. alentejano. E assim nasceu a ideia de introduzir os
C.Ds nas unidades de cuidados intensivos, mais na minha experiência, no Curry
Cabral, já outra unidade que tem, parece que está a ter algum efeito e os
cirurgiões, isto já foi alertado, já foi discutido muito recentemente, parece
que estão a querer levar também os C.Ds para os blocos operatórios,
independentemente de ser ou não ser alentejanos, o que, a música tocada muito
baixinho, parece ser calma e que lhe dá destreza e serenidade. Parece
extremamente útil isto eu queria referir isto porque isto é um dado novo e é
importante que fique escrito. Por fim, a transmissão dos valores culturais do
cante às gerações vindouras é um tema já batido penso que não vale a pena estar
a falar nisso, e fico-me por aqui.
Muito
obrigado pela atenção.
Dr.
José Simão Miranda
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