TRATADO DO CANTE:
COMUNICAÇÕ DO DR. MARCOS OLÍMPIO, DA UNIVERSIDADE DE ÉVORA:
Congresso
do Cante Alentejano
Beja,
8 e 9 de Novembro de 1997
PAINEL
C PERSPECTIVAS FUTURAS DO CANTE
COMUNICAÇÕ DO DR. MARCOS OLÍMPIO, DA UNIVERSIDADE DE ÉVORA:
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Permitam-me que em primeiro lugar e intervindo a título individual, expresse,
enquanto membro da Universidade de Évora, o pesar pelos trágicos acontecimentos
que atingiram as populações de Quintos, Garvão, Salvada, Mértola, Sobral da
Adiça e outras, lugares deste Alentejo do qual se diz no Cante que “não tem
sombra senão a que vem do céu”, céu donde afinal se abateu sobre esta terra
sofrida, assolada ciclicamente por secas terríveis, uma tempestade que
martirizou um povo que nos abre a porta das suas casas, estou a falar que nos
abre a porta das suas casas, como residente numa cidade, estou a falar
dirigindo-me ao povo rural como não alentejano, que além de nos abrir a porta
das suas casas, nos convida para sentar à sua mesa, e nos oferece do melhor que
tem a sua hospitalidade. Enquanto este povo existir, e enquanto houver memória
do que foi e do que ainda é o seu modo de ser e de estar, o canto alentejano
continuará a ter futuro. Parece-me assim, que tanto quanto a minha imaginação
consegue chegar no futuro, o canto alentejano, tal como o conhecemos, nos seus
modos e nas suas modas, que herdámos dos nossos antepassados, continuarão a
fazer-se ouvir dentro e fora do Alentejo. Os homens e as mulheres irão passando
mas o Cante ficará porque representa uma terra e uma cultura que são únicas, a
do Alentejo, região que se apresenta no imaginário dos outros, dos não
alentejanos mas até nalguns de nós que cá vivem e dos alentejanos, como o que
está para além do que é o resto, o que está fora do Alentejo que, sendo embora
também único e singular, não tem a magia desta terra, de encanto que é uma
paixão e um fascínio mesmo para alguns que nunca lá foram, estou-me a colocar
fora do Alentejo, mas que ouviram falar da sua paisagem, do seu povo, dos seus
costumes e alguma vez também já ouviram o cante alentejano. As alterações que o
Alentejo tem conhecido, umas para melhor, outras para pior, podem levar a que o
Cante alentejano conheça um menor interesse junto de algumas camadas jovens e
junto de algumas das camadas urbanas desmobilizadas em parte por outras
solicitações tais como a televisão. Mas é provável que ao mesmo tempo que se
verifique isto, aumente o prestígio do Cante alentejano junto dos forasteiros,
junto dos que vivem fora do Alentejo. Vou dizer uma coisa que é polémica mas da
qual não gostaria de abdicar, é que não será assim de estranhar que a
consciencialização da beleza e o gosto pelo cante alentejano se reforce junto
de alguns alentejanos que têm andado afastados desta expressão artística em
parte devido à divulgação e implantação do Cante dentro e fora do Alentejo para
os não alentejanos, ou seja, alguns dos que vivem cá dentro, aprenderão a
gostar também porque muitos de fora gostam e vão proporcionar a oportunidade
para que se expanda e se assista à actuação de grupos corais alentejanos e à
projecção do Cante nos acontecimentos nacionais e internacionais. Mas o futuro
do Cante alentejano não deverá passar só pela actuação dos grupos corais. É
importante que se faça ouvir nas tabernas que ainda sobrevivem nas cidades e
que se faça ouvir nos convívios, nos casamentos, nos baptizados porque aí
também é transmitido às gerações mais novas. O futuro passa também por aí.
Relembro a propósito de algumas coisas que foram ditas que no ano dois mil mais
de metade da população desta região viverá nas cidades sede de concelho e a
menor parte viverá por conseguinte nas aldeias e nos campos. E uma grande parte
das crianças viverá na cidade sem saber o que é a vida do campo e o Cante
alentejano a ele ligado e algumas das crianças que vivem nas aldeias cedo
começam a frequentar a cidade, perdendo também alguns dos vínculos que os ligam
ao seu local de origem, vínculos culturais. O Cante alentejano terá futuro e
continuará a ser ouvido e provavelmente o interesse por esta forma de expressão
irá aumentar, porque a cultura alentejana está a sofrer um ataque forte e
continuado devido ao fenómeno da globalização do qual decorrem posições
culturais que vêm de fora, e que procuram que o cidadão seja todo igual
enquanto consumidor. E neste contexto, o que é único, aquilo que é observado, o
que é diferente, contribuirá para o desenvolvimento de uma região. Não há
desenvolvimento sem cultura. O queijo, o mel, o vinho, os enchidos, o
artesanato do Alentejo, terão uma maior aceitação se a eles estiver ligado o
imaginário referente à maneira de ser e de estar do povo alentejano, e para que
esse imaginário se mantenha, é imprescindível que, no que se refere àquilo que
nos traz, o Cante alentejano seja observado e divulgado nos seus modos e nas
suas modas como penso tal como foi herdado. Se não conseguirmos vencer esta
batalha é provável que o Alentejo não ganhe a guerra do século XXI e continue a
ser das regiões mais atrasadas da Europa comunitária. Para começar a concluir,
tenho para mim portanto que o interesse por parte do exterior lá de fora do
Alentejo por um lado, a necessidade que as comunidades de alentejanos em
Portugal relembro por exemplo que existe uma Casa do Alentejo em Lisboa enfim
esta é tradicional já se conhecer, mas existem Casa do Alentejo em Faro, na
Marinha Grande, além de outras que eu possa não ter conhecimento. A necessidade
que as comunidades dos alentejanos destes locais e no estrangeiro têm de manter
vivas as suas raízes de forma a permitir usufruir de uma entidade própria, e
partilharem vivências entre si, vivências comuns, e de disporem de um bem
inestimável que é a solidariedade, são factores que contribuirão para que o
Cante alentejano continue a ter existência no futuro à escala das próximas
gerações. Entretanto, três questões se me deparam no seguimento destas
reflexões: Quem vão ser afinal os cantadores e as cantadeiras das modas
alentejanas? Já se começou a responder a isto, ouvi aqui coisas interessantes
que os jovens não estavam interessados, enfim que talvez não se conseguissem
mobilizar e atrair para esta actividade mas também já ouvi e ainda bem e muito
me satisfez o contrário. Terá por conseguinte e estou de acordo haver um duplo
esforço por parte dos grupos corais e de organizações com responsabilidades
nesta matéria, e fundamentalmente estes, bem como das entidades oficiais para
que o Cante alentejano seja preservado e continuemos a usufruir dele. Se não,
poderá verificar-se e talvez isto é outra afirmção polémica, um caso muito
semelhante ao que se verifica com os tapetes de Arraiolos. Quer dizer, isto é
uma hipótese remota, em que afinal sejam outros de fora a cantar o Cante
alentejano nunca tão bem como o cantarão os alentejanos. Lembro a este respeito
embora isto é louvável que aconteça, um caso que está a suceder em Évora e
nomeadamente na Universidade, em que foi formado um grupo coral no qual
participa o nosso amigo Joaquim Soares, e a maior parte dos intervenientes são
naturais de fora do Alentejo. Isto é de facto um acontecimento que os que
vivem, os que gostam do Alentejo se devem orgulhar mas quer dizer que há uma
grande receptividade ao Cante alentejano por parte daqueles que são de fora, e
eu como estou em contacto com jovens, moças e moços de fora, noto isso quase
todos os dias. Uma outra questão é qual será a expansão e a relação do Cante
alentejano polifónico coral, o das modas e modos que herdámos, com as formas
adaptadas que incluem o acompanhamento instrumental. Há uma dúvida que se me
coloca que é a seguinte: será que cante este acompanhamento esta forma
instrumental contribuirá para diminuir embora sem nunca apagar o interesse pelo
polifónico, pelo coral ou será que contribuirá para chamar mais a atenção para
a importância do canto polifónico e coral. É uma dúvida que se me coloca e para
a qual não tenho resposta mas se calhar alguns dos intervenientes (?) poderão
dar alguma achega. Uma terceira, qual é que é o papel das Universidades e dos
estabelecimentos de Ensino Superior neste processo e no caso concreto da
Universidade de Évora. Nesta Universidade e nos Institutos Politécnicos de Beja
e Portalegre há e já foi referido há pouco pela colega de Beja, há cursos de
Educadores de Infância e de Professores do 1º. ciclo do Ensino Básico. Uma das
vias de preservar o Cante alentejano ou pelo menos de manter o seu interesse e
de chamar a atenção e de fomentar o gosto, não é só a prática, é também o
gosto, é junto dos futuros Educadores de Infância nomeadamente e também junto
dos Professores do 1º. ciclo do Ensino Básico. Mas aqui parece-me que é muito
importante o papel dos Educadores de Infância que têm um papel talvez muito
mais amplo, e têm uma margem de manobra muito mais elevada penso eu que os
Professores do 1º. ciclo do Ensino Básico. É junto destes agentes educativos
que através de uma via oficial mas também numa via particular e é por isso que
estes Congressos são importantes, deve investir também no sentido da divulgação
e do gosto do Cante alentejano. Mas como nestes estabelecimentos de Ensino
também estudam moças e moços de todo o Portugal, desde a Madeira, Açores,
Algarve, Minho, etc., então deverá haver, como não pode deixar de ser, uma
chamada de atenção para a importância das genuínas expressões musicais para o
equilíbrio socio-afectivo e para a sã convivência das populações. Para
terminar, quero manifestar a minha satisfação por este 1º. Congresso se
realizar em Beja, terra aonde me desloco com muito agrado, mas espero que, no futuro
outros Congressos se realizem mais junto daqueles que constituem razão de ser
do Cante alentejano e que mais do que ninguém sabem dar o valor e acarinhar
esse seu património: os homens e as mulheres cujo suor e até mesmo as lágrimas
têm regado os campos do Alentejo.
Obrigado!
É tudo!
Dr.
Marcos Olímpio
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