TRATADO DO CANTE - Comunicação do Cónego António Aparício, no CCA
Congresso
do Cante Alentejano
Beja,
8 e 9 de Novembro de 1997
PAINEL D VALORIZAÇO
DO CANTE ALENTEJANO
-
Ensino e Etnografia
Comunicação do Cónego António Aparício:
Não é uma comunicação
elaborada, é apenas um apêndice, uma adenda ao trabalho que ontem apresentou o
padre Cartageno, visto que o trabalho foi feito em conjunto. Antes de mais
saúdo a Mesa e a Casa do Alentejo por este Alto serviço à cultura do Povo
Alentejano e à qualidade de vida de homens e mulheres que vivem aqui porque o
canto alentejano não está s- no imaginário, mas está no coração, no ser de cada
alentejano. O canto é uma realidade de referência absoluta de todo o
alentejano. E por isso, quanto mais somos a aldeia global, quanto mais
necessitamos daquilo que é verdadeiramente nosso e nos identifica. E penso que
o canto alentejano é verdadeiramente a legenda do ser alentejano da alma
alentejana. E por isso este Congresso é um Alto serviço ao homem e à mulher que
vivem aqui neste Alentejo. Eu não sou alentejano, também sou serrano, e vivo
aqui vai fazer quase 50 anos e preocupei-me ao princípio estudar a parte social
do Alentejo, sobretudo na parte sul da Diocese e confesso que este trabalho de
pesquisa me abriu as portas para o modo de ser do Alentejo porque para mim há
três coisas grandes no Alentejo: Castelo de Beja, os longes e o cante. E a
legenda de tudo isto, desta grandeza, desta paixão, deste sentir deste homem e
mulher que está aqui é de facto o cante alentejano. Para mim, foi realmente
gratificante contactar com as fontes deste folclore, desta vivência que é o
cante alentejano, o contactar por exemplo com o senhor José Estêvão, um homem
analfabeto de 74 anos da Amareleja, com o qual tivemos uma conversa altamente
gratificante, ele um grande mestre, um grande professor desta grande
universidade, a maior e mais sábia do mundo, que é a do povo. E por exemplo nós
cantamos na igreja um cântico que ele nos cantou e eu vou trautear – a minha
voz enfim – mas pelo modo como começa, pela densidade que têm, para mim foi dos
momentos mais ricos desta nossa experiência de pesquisa, de peregrinação
praticamente, pela Margem Esquerda do Guadiana, por cerca de 45 aldeias. Mas
quando ouvi cantar de facto isto a um homem analfabeto que fez dezenas de modas
e que fazia os poemas e quando eu lhe perguntei “Sr. José Estêvão em que pensa
primeiro, é no estilo ou no poema” ele olha para mim: “como assim, logo se vê
que não percebe nada disto. Eu primeiro penso na inspiração, isto é, primeiro
vêm a melodia, vêm o estilo e depois arranjo um poema para essa moda que eu de
facto inventei”. Eu tenho uma pena que aquele homem não tivesse tido acesso aos
bancos de uma escola e de um conservatório porque hoje seria um grande músico
de escola mundial. De facto para mim foi altamente gratificante esta porta que
se me abriu para conhecer em profundidade aquilo que o Alentejo têm de mais
profundo e de mais castiço por assim dizer. O padre Cartageno pediu-me para
focar os ecos deste nosso trabalho. Primeiro, eu penso que as assembleias
cristãs do Alentejo e não só receberam uma expressão cultural e de fé
insubstituível e peculiar. Hoje nas assembleias cristãs do Alentejo canta-se
bem e com geral agrado por crianças, adolescentes, jovens e adultos, cantes de
uma beleza de facto ímpar, que vieram do povo, que são a expressão desta
cultura de facto típica aqui do homem do Alentejo. Mais, contribuímos para que
o canto alentejano de expressão religiosa deixasse de ser um canto de grupo
para ser um canto de assembleia, cantado portanto pelo modo como um coro o
canta mas um cântico de assembleia porque o cante religioso, o cante profano, o
cante alentejano, tem em si um poder congregador, um poder de unir os
cantadores porque não tem um ritmo exterior, tem um ritmo interior porque não
tem nenhum maestro do grupo de cantadores porque o ritmo está lá dentro e na
verdade a assembleia é uma realidade que Deus congrega e o cante alentejano que
tem já essa paixão de reunir de congregar, empresta à fé e ao culto este
suplemento para reunir e de facto para congregar. Por isso, as assembleias
cristãs do Alentejo, e não têm desde há 20 anos a esta parte, esta expressão
extraordinária, esta linguagem de fé que é o canto de expressão alentejana. Mas
não s-, porque na altura em que nós começámos em 1977, o Norte praticamente
ligava o canto alentejano à revolução de Abril que de facto tinha surgido à
pouco tempo, e as dez missas transmitidas pela Antena Um, durante por aí um ano
e meio, mostraram ao país que aqui havia missas de qualidade e uma área de
canto alentejano por eles desconhecida. Portanto esta experiência mostrou ao
país, penso eu, um novo rosto ignorado do Alentejo. Por esta experiência também
nós começámos a exportar com a cortiça, como os minérios e com os cereais, o
canto alentejano da área religiosa, porque recebemos muitas cartas, recebemos
muitos pedidos pelo telefone para mandarmos as nossas melodias. Assim, no
segundo Domingo de Julho, o canto da comunhão do Santuário de Fátima (estavam
algumas dezenas de milhar de pessoas) era um cante de expressão alentejana. E
não é raro que nas missas da televisão, nas missas da rádio também se cante cânticos
desta colectânea que nós descobrimos aqui nestas terras do Alentejo. Durante
férias, eu fui ali a uma terra vizinha minha – eu sou de Alvouque da Serra.
Concelho de Seia – e qual não foi o meu espanto pois de se cantar um cântico de
expressão alentejana, mas de se cantar o mesmo canto de maneira inexpressiva,
mais parecia um corridinho do Algarve do que um cante de expressão alentejana.
Por isso penso que foi uma experiência de inculturação desejada e querida pela
Igreja como disse ontem o Padre Cartageno e que deveríamos de facto prosseguir
nesta peregrinação de descoberta de mais peças do cante religioso alentejano,
tem-nos faltado de facto, não sei, se ânimo se o tempo. Mais houve agora uma
publicação que é a maior colectânea de cânticos religiosos do país chamada
“cantemos todos”, que inclui três ou quatro cânticos do cante alentejano. Como
estou aqui numa assembleia de especialistas nesta área, se algum de vós, se nos
vossos grupos, se nas vossas terras, conhecerdes alguma peça, sei lá “Os
martírios do Senhor”, aos Santos Populares, inclusive ao Natal. O Padre
Cartageno e eu conseguimos sete trípticos do Natal completos, o que de facto é
uma grande riqueza, o Menino, as Janeiras e os Reis, portanto isto está no começo.
Nós apenas visitámos apenas à volta de 45 aldeias e montes mas está ainda o
resto por explorar. Por exemplo talvez pensem que Vila Nova de Mil Fontes já
não é da área do cante polifónico alentejano, e eu trouxe de lá o Menino de Mil
Fontes, de uma beleza extraordinária, inclusive quanto ao próprio poema
totalmente diferente do cantado aqui no centro do Alentejo. Se souberem de
algumas peças de índole religiosa, agradecíamos que nos dissessem.
Obrigado!
Cónego António
Aparício
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