TRATADO DO CANTE:
Congresso
do Cante Alentejano
Beja,
8 e 9 de Novembro de 1997
PAINEL D VALORIZAÇO
DO CANTE ALENTEJANO
-
Ensino e Etnografia
Alda Casteleiro de Gois, natural de Beja e
iniciou os seus estudos musicais na classe da professora Ernestina de Brito
Pinheiro. Iniciou o curso geral de violoncelo na Academia de Música do Centro
Cultural de Beja, que continuou na Escola de Música do Conservatório Nacional
de Lisboa. Licenciou-se em Ciências Musicais e é mestrada em Ciências Musicais
na área da etnomusicologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa. É musicóloga da Fonoteca musical do pelouro da cultura da
Câmara Municipal de Lisboa, desde Outubro de 1994.
Boa
tarde, vou tentar ser o mais breve possível, dado o adiantado da hora, queria
no entanto agradecer o convite que me foi dirigido para participar nesta sessão
e queria dar os parabéns aos organizadores deste Congresso e a todos os seus
participantes. Este painel tem como tema subjacente “A divulgação do cante
alentejano” e é exactamente sobre esta palavra “divulgação”, sobre este
conceito que eu gostaria de dirigir a minha reflexão. Eu estou aqui um pouco na
qualidade de musicóloga da Fonoteca Municipal que é um equipamento de cultural
da Câmara Municipal de Lisboa dedicado à música. Pode dizer-se que enfim com
aquelas características é único no país, e que tem grandes responsabilidades na
área da divulgação musical e não s- em relação ao cante alentejano mas com
responsabilidades muito grandes no acesso à informação bibliográfica e
discográfica de todas as práticas musicais portuguesas em primeiro lugar e
estrangeiras em segundo. Portanto é um pouco nesta qualidade que também
gostaria de falar e de reflectir sobre este conceito. Também enfim porque
realizei um pequeno trabalho de campo com o grupo coral de Tires portanto sobre
o cante alentejano numa disciplina de etnomusicologia aquando da minha
formação, licenciatura, uma, enfim, uma das ideias que surgiu sempre não s-
naquele grupo mas foi veiculada por todos os grupos que participaram em
inúmeras actuações a que eu assisti na altura do trabalho de campo, foi uma
frase sempre sempre presente: “nós estamos aqui para divulgar a cultura
alentejana e o cante alentejano em particular”. Então a palavra divulgação,
divulgar, o acto de divulgar tem-me perseguido sempre desde o trabalho de campo
e enfim na minha vida profissional e gostaria de começar por definir este
conceito de divulgação pegando em cinco termos que lhe são sinónimos. Um deles
é mostrar, divulgar é mostrar, é revelar, é publicar, é difundir e propagar. A
quem? Com que objectivos? Como? e Porquê? São algumas das questões que podemos
colocar a quem tem responsabilidades na área da divulgação. Podemos divulgar a
um público em geral, a um público muito específico, que pode ser enfim, podemos
ser todos nós aqui amantes do cante alentejano, mas que pode ser um público
ainda mais específico, digamos especializado que pode ser uma comunidade
científica, por exemplo, e podemos divulgar a vários níveis. Podemos divulgar a
um nível digamos local, ou regional, podemos e devemos divulgar a um nível
nacional mas também temos necessidade de divulgar a um nível internacional,
tendo sempre em vista a valorização do cante alentejano em particular que é
isso que nos reúne aqui, mas de todas as práticas musicais portuguesas
tradicionais rurais ou urbanas ou outras. E eu gostaria enfim de identificar
nesta minha reflexão quais são os grandes modos pegando também um pouco na
legenda do Congresso. “Que modas? ... que modos?”, nos modos de divulgação que
existem formas de divulgar, e identificar os agentes dessa divulgação. Portanto
eu já referi cinco termos importantes sinónimos da palavra divulgação: mostrar,
revelar, publicar, agregando estes três eu refiro-me concretamente a uma
revelação através da escrita, e não aqui enfim maçar-vos com a importância que
foi por exemplo a invenção da imprensa porque eu acho que toda a gente tem a
noção do impacto que isso teve no acesso à informação enfim de toda a gente mas
enfim gostaria de enfatizar a parte da difusão e propagação a um outro nível
que tem a ver com os media e
que tem a ver com a invenção do fonógrafo essencialmente que permitiu a
gravação de som. Antes de reflectir enfim muito concretamente sobre estas
coisas gostaria de traçar uma breve perspectiva histórica em relação às formas
de divulgação da música tradicional, das músicas tradicionais portuguesas em geral
do cante em particular, identificando os agentes de divulgação que foram
aparecendo. Como referem Salwa Castelo-Branco e Toscano no artigo insert of....
documentation Traditional Music of Portugal publicado em 1989 no ....Book for Traditional music nº. 20, que é uma
publicação do Conselho Internacional para a Música Tradicional, o interesse
local pelo estudo e pela divulgação da música tradicional portuguesa remonta à
Segunda metade do século XIX. Desde os anos 70 que alguns aspectos relacionados
com a música tradicional portuguesa desempenhada nas zonas rurais foram investigados
e documentados por musicólogos portugueses como os professores, antropólogos,
folcloristas, entusiastas e eruditos locais. Estes, movidos e inspirados pelos
ideais do Romantismo português, procuravam nas zonas rurais o que era puro,
autêntico e genuíno do mais arcaico na cultura popular e como as tradições
musicais portuguesas são em sua maioria tradições rurais orais, através da
escrita e particularmente pela técnica da transcrição musical que procuravam
registar, recolher, estudar e em última análise divulgar a autêntica música
tradicional portuguesa. E foram estes os propósitos que levaram aqueles
estudiosos a realizar inúmeras transcrições musicais, as primeiras foram
publicadas em 1872 por Neves e Melo, harmonizações de melodias recolhidas
através da técnica da transcrição, harmonizações essas para piano, piano e
canto e versões estilizadas de melodias tradicionais para bandas militares,
orquestras e coros amadores. Portanto tomemos então estas três publicações de
transcrições musicais, harmonizações e versões estilizadas como as primeiras
formas de divulgação das músicas tradicionais portuguesas em geral como os
primeiros agentes de divulgação dessas músicas estudiosos como, por exemplo,
foram José Leite de Vasconcelos, Neves e Melo, César das Neves, Claudino
Campos, António Rui entre muitos outros. A partir dos anos vinte deste século,
a investigação e a documentação aumentaram quantitativamente. Surgem várias
publicações sobre géneros musicais e instrumentos onde aparecem tradições
musicais que funcionam agora como complemento a determinadas análises.
Preocupados com a necessidade de salvaguardar e preservar as tradições musicais
sobreviventes de práticas culturais pensadas como arcaicas e tidas como
autênticas, os principais estudiosos e entendamos mais uma vez como
divulgadores de um período que vem portanto dos anos vinte e que vai estender
até ao 25 de Abril de 1974, o Padre Marvão no Alentejo, muito concretamente,
Sampaio Pires de Lima, Rebelo Bonito, Veiga de Oliveira, Rodney Gallop, Armando
Leça, Mário Dias e Jorge Dias, Michel Giacometti e Lopes Graça. Mas foi nos
anos quarenta que se aplicou em Portugal uma outra técnica que não s- regista
como divulga, e divulgar neste sentido tendo presente a palavra difundir, que
divulga e difunde toda e qualquer informação oral que é a técnica da gravação
que dá origem a outro tipo de documento que é o registo fonográfico. E o
registo fonográfico pode ser encarado como documento passível de publicação ou
edição, e aqui estamos no nível da divulgação enquanto publicação, e como um
suporte ou meio de grande difusão não apenas em si próprio mas por ser vital
para qualquer um dos mass media, o rádio ou a televisão são os principais.
Nenhuma arte tradicional foi tão revolucionada pela natureza e pelos modos de
prática e de comunicação pelos novos media, e pelas tecnologias de gravação de
retransmissão e sínteses como o foi a música. A gravação possível graças à
invenção do fonógrafo por Charles Crosson e Thomas Edison, proporcionou a
conservação do objecto sonoro e a sua reprodução quase ad infinitum. O objecto
sonoro não volta a desvanecer-se após a sua emissão como acontecia a todo o
fenómeno audível antes da invenção do fonógrafo. A gravação, e agora não me
refiro apenas à gravação áudio mas também à gravação visual, ou audiovisual
combinadas, é a grande alternativa à transcrição musical que foi o primeiro
modo de divulgação que eu referi, ser enfim mais fidedigna, mais completa, na
ilustração de uma prática musical ou de um evento seja de que natureza for. E
há várias gravações de música tradicional portuguesa que foram levadas a cabo
por exemplo por Rodney Gallop, por Armando Leça nos anos 40, Artur e Túlia
Sents, concretamente nos Açores e Giacometti e Lopes-Graça que publicaram uma
antologia da música tradicional Portuguesa em cinco volumes onde está incluído
o Alente como toda a gente sabe, e que também tiveram uma acção importante na
edição de uma série televisiva que tem como título “O Povo que canta”. Também
penso que muita gente conhece. Se calhar muita gente não viu ainda na íntegra
mas toda a gente tem a noção que foram importantes formas de divulgar não
apenas o cante alentejano mas a música tradicional no seu conjunto. Hoje em dia
temos, a partir de 1974, vários estudiosos, chamemos-lhe locais que tem
contribuído imenso para a divulgação do cante alentejano em particular e de
outras formas de práticas musicais que foram por exemplo: Manuel Joaquim
Delgado, Padre Marvão, Padre Cartageno, Padre Aparício, Victor Santos,
Lopes-Graça pelas suas publicações sobre a canção popular portuguesa e no
artigo publicado nas suas obras literárias Disto
e Daquilo, onde tem um artigo intitulado “Acerca do cante alentejano”.
Temos uma contribuição muito importante dada por Ranita da Nazaré com as
publicações: Música Tradicional
Portuguesa, Cantares do
Baixo-Alentejo, publicado em 1979 e Os
Momentos Vocais do Baixo-Alentejo publicados em 1986. Mas Ranita da Nazaré
não fez apenas livros, não escreveu só sobre cante alentejano, também realizou
inúmeras gravações que eu não sei se existem cópias em Portugal mas sei que
pelo menos estão depositadas em três instituições, uma delas é o arquivo do
departamento de etnomusicologia do Musée des Arts et Traditions Populaires,
estas datas de 1966, umas outras que estão no Laboratoire de líInstitut de
Musicologie de la Faculté des Lettres et des Sciences Humaines, em 1967, e no
Arquivo do Departamento de Etnomusicologia do Museu do Homem, gravações
efectuadas em 1968. Portanto estão em Paris, em França. Depois houve uma
publicação muito importante que foi editada em 1982 e que disponibilizou muita
informação aos estudiosos locais e a outros investigadores, que foi a “Tradição
de Serpa, revista mensal de etnografia portuguesa ilustrada”. Nos anos 80 foi
criado o Departamento de Ciências Musicais na Universidade Nova de Lisboa, na
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, e foi criada também a disciplina de
Etnomusicologia da qual a professora Salwa Castelo-Branco, que está aqui
presente, é responsável e que tem realizado também um importante trabalho de
investigação em relação ao cante alentejano, trabalho esse que se tem centrado
essencialmente sobre o fenómeno da imigração para a bacia industrial de Lisboa
e Setúbal, estudando os grupos actuantes na Área Metropolitana de Lisboa e
também os grupos residentes no Alentejo, como foi o Grupo “Os Ceifeiros” de
Cuba, por exemplo. Tem publicado alguns artigos, enfim vamos considerá-los de
divulgação, porque divulgar é publicar, sobre o cante alentejano e sobre as
músicas tradicionais portuguesas em geral. São artigos de síntese de referência
obrigatória, cito por exemplo em relação ao do cante publicado em 1992 que tem
a ver com alguns aspectos do cante da tradição de Cuba, publicado num livro que
foi editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, para citar apenas um. Tem também
tido uma acção muito importante e interessante que se pode ver e testemunhar ou
seja a edição do disco “Músicas tradicionais de Portugal” publicado pela “EMI
SONY Recordings” onde o cante alentejano também teve lugar e ocupou uma
presença muito forte com a gravação de várias modas e uma outra acção de
divulgação em que o cante esteve presente graças à acção desta investigadora
que foi o festival sobre a voz que teve lugar na Figueira da Foz e Leiria que
foi patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian e aí o cante teve também um
papel muito importante. Está também em elaboração com a colaboração de algumas
entidades mas coordenado pelo Instituto de Etnomusicologia, a elaboração de um
CD Rom de músicas tradicionais portuguesas onde o cante alentejano com certeza
vai ter o seu lugar. Identificando os grandes agentes de divulgação e aqueles
que tem responsabilidade em divulgar o cante alentejano concretamente, tem-se
falado aqui muito dos grupos corais e esses realmente têm uma grande
responsabilidade a este nível, estou-me a referir aos que estão naturalmente
organizados, ligados ou não a associações recreativas, porque eles são os
portadores, são eles que desempenham o cante alentejano. São eles muitas vezes
que organizam encontros, com outros grupos que incluem actuações, desfiles,
debates, são eles que participam em concursos, são eles também, além de
divulgarem o cante alentejano desta forma, produtores e editores de cassetes áudio
com as suas modas. E digo cassetes porque esse é o suporte principal de
divulgação neste momento embora já existam muitas gravações em CD que incluem
cante alentejano ou especificamente sobre cante alentejano. Não são s- os
grupos que tem responsabilidades na divulgação do cante alentejano. Todos os
investigadores, estudiosos locais ou não, tem, uns a nível local, outros a
nível nacional, e também ao nível internacional, grandes responsabilidades na
divulgação desta prática musical, desta e de outras mas vamos concentrar-nos
nesta, eles são mediadores de diversos universos sociais e culturais, através
das suas publicações, quer sejam de artigos, livros, ou através de outros
suportes documentais sonoros ou visuais como o filme etnográfico ou a cassete,
fonograma, seja cassete ou CD, e por isso eles têm grandes responsabilidades na
divulgação e na promoção daquilo que estudam porque a valorizam. E eles, se
forem agentes culturais, a sua responsabilidade é duplicada na medida em que,
conhecendo as várias práticas musicais e se têm acção na área da animação
cultural, devem integrá-las sempre, criar programas, criar espaços para que
elas continuem a ser divulgadas. Aqui também poderia referir o papel das
bibliotecas, das fonotecas realçando a de Lisboa, onde estou e a da Biblioteca
Municipal de Beja. Nós, enquanto bibliotecários, documentalistas, musicólogos,
investigadores, temos sempre muita responsabilidade nesta área da divulgação. É
de louvar a Casa do Alentejo de Lisboa que tem sido incansável na divulgação do
cante alentejano, nos inúmeros encontros que organiza, nos colóquios, nos
debates, na organização deste Congresso, no Dia do Alentejo que se viveu há bem
pouco tempo em Lisboa, nas publicações periódicas de divulgação que edita e na página
da Internet por ser mais um veículo para que muita gente conheça o cante
alentejano. Tenho de referir também o Directório de Grupos Corais publicado
pelo senhor José Francisco Pereira que é uma ferramenta imprescindível a
qualquer investigador, estudioso, agente cultural, interessado no cante e o
papel dos media. E aqui gostaria de me referir sobretudo ao papel das rádios
locais ou regionais, fundamental na revitalização, manutenção, divulgação e
mediatização de qualquer prática musical que no Alentejo têm grandes
responsabilidades a nível do cante e outras práticas. Tivemos aqui um
testemunho do cante ao baldão e eu sei que existem outras. E os jornais
regionais que criem espaços de debate, de diálogo e que promovam e divulguem
estes eventos sempre. Depois há um outro agente de divulgação muito importante
que são as editoras discográficas e agora estou-me a referir à gravação das
músicas tradicionais e do cante em si. Há uma grande actividade local que é
preciso referir: A ImensoSul que editou o CD “Cante e de Natal e Ano Novo,
Corais polifónicos Alentejanos” em 1995 e que apoiou a edição do disco “É tão
grande o Alentejo”, pelo Coral polifónico “Os Ganhões de Castro Verde”. Ao
nível nacional tem aparecido algumas etiquetas interessantes como por exemplo a
EMI Terra que tem 2 discos de cante alentejano: “Castro Verde, Vozes das Terras
Brancas”, pelo Grupo Coral “As Camponesas de Castro Verde”, editado em 1996, e
o “Pias, Cante da Margem Esquerda”, pelo Grupo Coral e Etnográfico “Os
Camponeses de Pias”, com edição do mesmo ano. Depois houve uma outra colecção
que saiu publicada pela Moviplay, uma outra editora discográfica muito
importante em Portugal e que é a colecção “Folclore Português” que também tem
um título dedicado ao Alentejo e aí estão representados mais do que o cante
alentejano há outras práticas, mas é uma referência importante na divulgação do
reportório musical do Alentejo. Terei que referir obviamente a contribuição de
José Alberto Sardinha na elaboração da colecção “Portugal, Raízes Musicais”, no
volume dedicado à Estremadura, Ribatejo e Alentejo, que foi publicada pelo
Diário de Notícias, este ano, e referir por último nesta área das edições
discográficas um caso muito curioso que é o disco “Por minha dama” da Ala dos
Namorados, editado em 1995 pela EMI – Valentim de Carvalho que tem na faixa 13
uma tema que se chama “Canção de Ida e Volta” que imaginem é interpretada pelo
Grupo Coral e Etnográfico de Pias e esta é uma colaboração muito interessante.
Porque a Ala dos Namorados é uma Banda que se move na área do Pop português.
Este trabalho irá divulgar o cante alentejano. Além destes há o disco das
“Músicas Tradicionais de Portugal” que já referi coordenado pela professora
Salwa Castelo-Branco. Há também um disco publicado pela Unesco em 1988
“Portuguese Traditional Music” onde o cante alentejano está presente, e dois
editados lá fora uma pela Player Sound “Portugal Music Traditionnel de l’Alentejo”
e outro pela New Ton, “Modas, Polifonias Vocais do Baixo-Alentejo”, este
publicado em Itália, exclusivamente sobre cante alentejano. Mas toda a
divulgação s- é possível se houver apoios e há várias instituições ou
organismos que devem ser geradores ou patrocinadores de actuações, de
concursos, de publicações periódicas, de edições discográficas ou que
proporcionem tempo de antena ao cante alentejano. E ao nível nacional
verifica-se uma grande lacuna que é a inexistência de uma fonoteca nacional, ou
melhor, de um arquivo fonográfico nacional com ou sem delegações distritais, e
o não existir legislação que aplique a lei do Depósito Legal aos meios
audiovisuais é outra lacuna brutal e essa afecta-me directamente a mim enquanto
musicóloga da Fonoteca Municipal de Lisboa. Nós temos de comprar tudo por não
existir uma lei de determine o Depósito e isto devia ser obrigatório tal como a
criação do Arquivo Fonográfico Nacional. Este arquivo não deve apenas proceder
ao levantamento sistemático das edições fonográficas das músicas tradicionais
portuguesas, o cante alentejano em particular, já existentes, mas também deve
reunir e sistematizar todos esses documentos fonográficos originais ou cópias
porque há muitos que estão fora do país, fruto do trabalho de campo de
investigadores ou estudiosos portugueses (como por exemplo as gravações de
Ranita da Nazaré) ou estrangeiros em Portugal e que estão inacessíveis por se
encontrarem dispersos em instituições nacionais ou estrangeiras, locais ou em
mãos particulares. Esse arquivo também devia proceder ao levantamento e registo
sistemático com base em critérios válidos e metodologias sólidas e todos os
eventos expressivos portugueses relevantes ao estudo da música tradicional
portuguesa e aqui refiro-me claramente a encontros desta natureza, a actuações
importantes, a concursos, porque não? Esse arquivo também deveria tratar,
classificar, analisar, conservar e difundir e sempre que possível permitir o
acesso ao espólio a seu cargo, não devendo funcionar apenas como um repositório
com funções de preservação mas ter um papel dinamizador desse mesmo espólio,
promovendo edições discográficas e bibliográficas especializadas ou de carácter
generalista e a par da organização de eventos que promova o diálogo entre
grupos corais, entre investigadores e o público em geral. Ao nível local, estas
responsabilidades recaem necessariamente nas Câmaras Municipais, nos seus
pelouros da cultura, em associações a que eventualmente os grupos estejam
ligados ou não e nas rádios. A nível nacional, a televisão tem um papel
importante não necessariamente a nível regional e se falei no arquivo fonográfico
nacional terei que referir a professora Salwa Castelo-Branco da necessidade da
criação de um centro de documentação ou de um arquivo regional onde sejam
depositados todos os documentos produzidos sobre o cante alentejano, sobre o
baldão, sobre todas as práticas musicais do Alentejo. Que fiquem ali guardadas,
que sejam preservadas e que estejam acessíveis a todos os interessados,
investigadores ou não, para que o debate continue e seja profícuo. Os grandes
responsáveis que estão ausentes nestas questões são as rádios nacionais que não
divulgam nem o reportório gravado nem dão publicidade ou cobertura aos grandes
eventos relacionados com o cante alentejano ou com as músicas tradicionais
portuguesas, da televisão que tem responsabilidades a nível nacional, e reparem
que não é só no reportório gravado é publicitar estas coisas, e os jornais de
distribuição nacional muitas vezes não encontram um espacinho na sua folha para
um artigo, um pequeno cartaz para divulgação destas iniciativas e sobre isto
têm que ser chamados à atenção. Para terminar, gostaria de alertar para que
todos tivéssemos consciência que todos os documentos escritos ou audiovisuais,
todas as acções de animação cultural que se promovam, sejam actuações,
desfiles, encontros, concursos, contribuem por um lado para a manutenção do
reportório musical tradicional e promovem por outro a revivificação e recriação
desse mesmo reportório. É extremamente importante criar espaços de reflexão e
debate como é o caso deste Congresso, e eles devem reflectir a música sempre
como um processo dinâmico devidamente contextualizado do ponto de vista
sociocultural e devem abordar problemáticas actuais e emergentes como são por
exemplo o estudo do impacto da mudança político, cultural e social da tradição
do cante alentejano, o impacto do contexto urbano no desempenho de uma tradição
musical que é originalmente rural e o impacto das indústrias da música no
desempenho do cante alentejano e ao mesmo esses espaços de reflexão e debate
devem promover a colaboração entre os diversos agentes de divulgação tendo
sempre por objectivo último a valorização das músicas tradicionais portuguesas
e do cante alentejano em particular
Obrigado!
Drª.
Alda Gois
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