TRATADO DO CANTE - Almanaque:
“ÀS
CAVALITAS DO TEMPO – mini-crónicas”, De Eduardo Olímpio. Coleção Cacto. Edição
de Prelo Editora, SARL. De Maio de 1974.
“(…)
Na planície, a gente vê o horizonte no seu tamanho natural. Não admira que
amemos as pequenas coisas – o orvalho na erva, um botão de rosa num craveiro de
monte, as papoilas enfeitando rastos de cobras e abetardas. E embora não
tenhamos aqui, nas nossas faces, o sol radioso do Alentejo, a gente alimenta-se
muito do espírito de saudade, pois se não fosse ela não aguentaríamos a noite
de pesadume que climatiza o nosso desterro involuntário…
(…)
Do
prefácio (pág. 12) de Antunes da Silva
“O
sofá-coma
quando
o homem abalou, lá para as alemanhas, alguma coisa a avisava desgraça. era a
modos que uma pessoa cá dentro, no coração a falar, a falar, lenga-lenga de mau
agoiro. embora isso, não chorou. já se esquecera da cor das lágrimas, tantas
secara nas costas da mão, filhos mortos, filhos idos, animais caindo de doença. por isso ali estava, cinco anos passados desde o dia da abalada do seu homem, a
olhar a casa vazia de tudo: filhos, marido, trastes e mobílias.
apenas
o velho baú forrado a pele, pele roçada e o velho sofá-cama, que a filha
trouxera numa das poucas visitas, lá de lisboa. – para eu ficar quando cá
estiver, dissera. – quando cá estiver: metera-se naquilo das danças e
perdera-se por sabe-se lá que marrocos, diziam.
-
resolveu-se. uma voz gritava-lhe que ainda tinha direito a viver (viver ou
qualquer coisa parecida) mais uns dias. e a voz insistia: venda o sofá: coma!”
In:
pág. 39.
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