TRATADO DO CANTE - São Saias:

"AS SAIAS, CANTIGAS TRADICIONAIS DE TRABALHO

TRABALHOS AGRÍCOLAS, OU CANTADAS E BAILADAS NOS TERREIROS, AS SAIAS, TIPICAMENTE ALENTEJANAS, FAZIAM ESQUECER A DUREZA DO TRABALHO E AS DIFICULDADES DA VIDA.



A simplicidade da dança, que nada tinha de gracioso ou difícil, permitia que os menos entendidos também participassem. Existem três modalidades de saias, que diferem de região para região – as “velhas”, antigas formas de valsa mazurca; as “novas”, dançadas nos dias de hoje, em forma de valsa campestre; e as “aiadas”, em que o cantador grita um “ai” no estribilho, que indica a volta.


Em Portugal existem inúmeras danças populares, algumas muito antigas, que têm em comum e como principal característica serem cantadas e dançadas colectivamente ¾ a gota, o vira, o verde-gaio, o malhão, as chulas, o fandango e o corridinho. O Alentejo reclama para si a origem da moda das saias, apesar delas fazerem parte dos cancioneiros musicais de outras regiões do país e serem confundidas com algumas tradições andaluzas.

Saias são cantigas de trabalho e de divertimento que constituem uma das mais belas expressões lúdicas da cultura tradicional portuguesa. Segundo Tomás Ribas, um dos estudiosos desta área, elas são um elemento coreográfico identitário da região alentejana, sobretudo da zona raiana do Alto Alentejo, desde o século XII, embora a sua origem não esteja rigorosamente definida. Aí, estas modas eram só cantadas, entre homens e mulheres, nas mondas, na ceifa, na sacha, na apanha da azeitona; ou cantadas e bailadas, nos bailes das localidades, quando a música era interrompida, e ainda quando os rapazes iam “às sortes”. Nem o pó dos terreiros onde estas festas se realizavam enrouquecia os cantadores, muitas das vezes animados pelo vinho. Os homens improvisavam as quadras, os despiques sucediam-se e as capacidades vocais e poéticas eram exibidas noite fora.


A simplicidade da dança, que nada tinha de gracioso ou difícil, permitia que os menos entendidos também participassem. Segundo Lino Mendes, do Grupo de Promoção Sócio-Cultural de Montargil, existem três modalidades de saias, que diferem de região para região ¾ as “velhas”, antigas formas de valsa mazurca; as “novas”, dançadas nos dias de hoje, em forma de valsa campestre; e as “aiadas”, em que o cantador grita um “ai” no estribilho, que indica a volta. Joaquim Ferreira Marques, professor e estudioso desta tradição, refere que, quase sempre, os temas dos versos se referem à própria pessoa que os cria, aos santos populares, ao trabalho, ao amor ou à mulher.

Há quem afirme que as saias tenham influência da “saeta”, dança característica da Andaluzia, mas Tomás Ribas alega que a primeira é uma dança profana e de divertimento, enquanto que a segunda é acompanhada de canto litúrgico e só é bailada como ritual das procissões. Mas, é possível que no período da ocupação espanhola (1580/1640), se tenha dado esta influência, fortalecida pela proximidade geográfica e cultural dos dois povos, junto à raia.

QUEM CANTA SEUS MALES ESPANTA
Hoje em dia as saias são acompanhadas pelo harmónio, concertina ou acordeão, viola, recoreco, ferrinhos entre outros, mas originalmente eram o adufe, o pandeiro, os estalidos dos dedos e a gaita, os únicos instrumentos para além da voz. O grupo de tocadores de “Pedras de Arronches” constitui um caso interessante de autenticidade mantida apenas juntando o som das pedras do rio, colocadas entre os dedos.

No tempo em que os portugueses migravam sazonalmente, à procura de trabalho, as ceifas no Alentejo, que exigiam muita mão-de-obra, atraíam gente, principalmente na Beira Baixa e Ribatejo. Nos trabalhos, homens e mulheres cantavam à desgarrada, para esquecer a distância e a dureza do trabalho, e algumas modas ficavam na lembrança dos ouvintes que depressa as integravam e adaptavam, chegados às suas terras natais. É assim que, no reportório do Grupo Etnográfico “Os Esparteiros de Mouriscas”, do Ribatejo, se registam duas modas das saias alentejanas.

Mas, nos anos 50 e 60, com a progressiva mecanização da agricultura, o desemprego e as migrações alentejanas para a área da Grande Lisboa, e emigrações para o estrangeiro, as tradições culturais foram-se perdendo. As saias deixaram de estar directamente relacionadas com o trabalho rural e foram sendo revivificadas pelos grupos folclóricos, hoje mais de três centenas, que reproduzem o vestuário tradicional e as danças e cantos alentejanos. Face ao fenómeno da globalização, nunca como hoje foi tão importante a defesa da nossa identidade cultural.

“Cada idoso que morre é uma página da história que se apaga”, alerta Lino Mendes."

Lino Mendes


in: Diário do Alentejo, 11 de Maio de 2001

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