TRATADO DO CANTE - Almanaque:
"o universo é como que um meio sem pontas…"
“(…)
A saudosa
Natália Correia que tanto amava o Alentejo, contou-me um dia um episódio
passado com ela (…). Eis essa história, mais tarde recordada pela pena de seu
marido o poeta Dórdio de Guimarães (na comunicação apresentada no “Encontro
Outono Poético”, realizado em Monsaraz de 18 a 20 de Novembro de 1994):
Numa
dessas tardes então percorríamos nós uma estrada que, vinde de Évora, se
embrenhava numa famosa zona onde abundavam preciosidades megalíticas como
antas, dolmens e menires, quando deparámos com um vagabundo, maltês típico,
saindo estremunhado da gruta de uma anta. Natália, surpreendida, pediu que o
automóvel parasse com o intuito de interpelar a singular criatura. Trocadas as
primeiras palavras, o nosso maltês, sábio e pachorrento, esclareceu-nos que,
como era evidente, a sua profissão era andar de terra em terra, comendo o que
apanhava ou lhe davam e dormindo onde calhava. Daí, ter-se acolhido na noite
anterior nessa anta, tardiamente, ter-se deitado de costas no chão, olhando as
estrelas, ficando a meditar nelas, como era seu uso, até adormecer. Agora
acordara e ia meter-se ao caminho. Natália pergunta-lhe: Então gosta de olhar
as estrelas, pensar nelas, tentar percebê-las. O senhor é um filósofo, é um
poeta. Diga-me uma coisa: Como definiria, o que é para si o firmamento, o
universo?
O maltês
coçou os queixos de pelos ralos, fixou Natália, penetrantemente, numa lenta
cogitação e, ao fim de um minuto, saiu-se com este conceito que nos estarreceu,
pois tratava-se de um analfabeto: Olhe minha senhora, o universo é como que um meio sem pontas…
(…)”
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