TRATADO DO CANTE - I Congresso do Cante:
Congresso
do Cante Alentejano
Beja,
8 e 9 de Novembro de 1997
PAINEL
C PERSPECTIVAS FUTURAS DO CANTE
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Boa tarde! Quero saudar a mesa. Quero saudar o Secretariado deste Congresso,
especialmente ao Zé Pereira por este trabalho que ele tem desenvolvido até hoje
e espero que ele o consiga acabar em bem. Vai-me ser muito difícil explanar
aquilo que eu penso sobre o cante alentejano e o tema que está aí proposto
“Modas e Modos” porque parece que se tem falado aqui de tanta coisa que eu já
não sei o que hei-de dizer. Modas e Modos se calhar não se falou aqui, não? E
queria, o nosso amigo Joaquim Soares, agora quando estivemos a comer cantámos
ali aquelas duas modas, cantámos bem, uma maravilha! Então por que é que não
cantamos as outras? Porque não queremos ou porque não podemos? Porque não
podemos porque cada terra com seu uso, cada terra com seu fuso e aí é que está
o problema, o grande problema do cante alentejano é esse. Telefonaram-me na
quinta-feira e nem queria tão pouco vir aqui ao Congresso só queria vir amanhã,
não tenho vida de facto vida para isso nem saúde. Mas como a pessoa que me fez
o telefonema tenho grande estima e admiração, resolvi vir e resolvi fazer aqui
um apanhado de algumas memórias que me vieram à memória. E então pus-me aqui a
relembrar modas e cheguei à conclusão que apanhei o total de 86 salvo erro, que
podem ser cantadas por qualquer grupo, em todo o lado. Até 86 peçam lá o número
de uma moda! - Catorze! - “Linda jovem era pastora”. Quer que comece? Pronto.
Por é que se fazem desfiles, já foi hoje aqui focado isto, e aparecem três e
quatro e cinco e seis grupos a cantar o mesmo estilo, a diferença é só talvez
na letra e às vezes nem na letra? “Modas e Modos”! Eu estou no grupo coral “Os
Amigos do Barreiro” há vinte e dois anos. Ao fim de um ano de lá estar, por
ironia do destino, vá lá, passei a ser o mestre, o chefe do grupo. Passei por
muita coisa. Mas orgulho-me de ter passado por elas porque já tinha vindo de
uma escola desde os onze anos e de maneira que essa escola continuou no grupo
coral “Os Amigos do Barreiro”. Mas há coisas que nos marcam. E neste caso do
cante alentejano o primeiro concurso, e não se falou disto aqui hoje, não se
falou dos concursos de cante alentejano, parece que toda a gente tem medo de
falar disso. O primeiro concurso de cantares alentejanos que se realizaram aqui
em Beja em 1986, o grupo coral “Os Amigos do Barreiro” foi convidado pela
entidade organizadora que foi a Associação do Património de Beja, é assim que
se diz. Mandaram-nos todos os documentos como mandaram para todos os grupos, a
ficha de inscrição, tudo. Respondemos, mandámos a ficha de inscrição, tudo. E
quando chegámos cá para fazermos parte do concurso, estávamos em último lugar e
extraconcurso. E qual foi o motivo por que estávamos extra concurso? Porque não
éramos considerados alentejanos. Está aqui gente na sala que sabe disto. Como é
que isto pode ser? O caso foi posto, batemos o pé, o caso foi posto, e nós
fizemos parte do concurso. No ano de 1987 fomos convidados pela mesma
organização, o segundo concurso depois do 25 de Abril, que fomos convidados extra
concurso. Não viemos porque entendemos que o Alentejo não é só o Distrito de
Beja. E os alentejanos que estão fora do Alentejo também têm o direito de
cantar. E a prove disso é que naquilo que se chamou a zona industrial de Lisboa
e Setúbal que hoje se chama pomposamente a área metropolitana de Lisboa, não é
por acaso que teve lá 32 ou 33 grupos. Hoje em dia ainda existem 25 ou 26 não
sei bem quantos são, e contribuíram muito para que aqui nesta terra e nestes
arredores os grupos sobrevivessem e tivessem mais força. Isto é verdade, tem
que aceitar isto como uma verdade. Mas como disse, em 1987 fomos convidados
extra concurso e não viemos, dissemos não, o Alentejo não se cingia só ao
Distrito de Beja, antes pelo contrário, ao norte também se cantava que é o caso
que o Capitão Frasco há bocado aqui focou. Em Reguengos de Monsaraz também há
um grupo coral alentejano. Também é Alentejo ou então fazemos o mesmo da rádio
Renascença quando diz o boletim meteorológico, “no Porto está tantos graus,
chove em Coimbra não sei quantos, depois passa para Évora ou para Faro” o
Alentejo que é uma terça parte de Portugal não faz parte desta história. Esses
gajos ainda a gente admite, agora os alentejanos...
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Fomos convidados em igualdade de circunstâncias em 1989 (?) por causa desta
história que apareceu o Delegado do Grupo Coral “Os Mineiros de Aljustrel” a
levantar esse problema que nós não éramos alentejanos, não sei se, o Dr. José
Francisco é capaz de se lembrar disto, ficámos atrás dos “Carapinhas”, ficámos
em vigésimo quinto lugar e se não cair nenhuma nódoa no nosso fato por causa
disso, continuámos. Depois passou a haver os concursos em Castro Verde, fomos a
Castro Verde, a gente não lhe interessa, ficarmos em primeiro, em segundo, em
terceiro, em quarto, em quinto, a gente quer é cantar. Eu não sou religioso mas
se for preciso vou cantar à igreja, já tenho ido, cantamos, vamos cantar lá ao
Barreiro, ao Barreiro, não é? Até já cantámos na Igreja do Rosário “o
Passarinho”. Portanto, “Modas e Modos”. Há no cante alentejano, ou querem
fazer, o rio Guadiana dividir o cante. Canta-se de uma maneira na margem
direita e canta-se de outra maneira na margem esquerda. Para mim, canta-se na
margem esquerda aquilo que as pessoas da margem esquerda querem cantar e
canta-se na margem direita aquilo que as pessoas da margem direita querem
cantar. Porque as pessoas da margem esquerda cantam também aquilo que se canta
na margem direita se quiserem e as pessoas da margem esquerda cantam também
aquilo que se canta na margem direita. Pronto e vice-versa. Isto já foi
demonstrado por mim e pelo grupo coral (desculpem lá) Isto já foi demonstrado
por mim numa destas palestras que se fizeram aliás. Não é difícil cantar-se,
qualquer grupo aqui da margem esquerda ou da margem direita cantar como se
canta na margem direita ou na margem esquerdas. Não é difícil. A gente no Barreiro,
portanto, o Barreiro não tem tradição de cante alentejano senão os alentejanos
que lá vivem, tanto no Barreiro como noutras áreas como no Lavradio, como na
Baixa da Banheira, e canta-se aquilo que se canta na margem esquerda ou na
margem direita. Pode haver uma diferença na música porque não foi bem entendida
ou não foi ouvida ou, nestes grupos principalmente na área de Lisboa, acontece
que há sempre um elemento que ou é do concelho de Serpa ou é do concelho de
Mértola ou é do concelho de Moura, do concelho de Cuba, ou do concelho da
Vidigueira. Portanto, determinada moda que é cantada num sítio desses, essa
pessoa dá sempre uma achega, portanto essa moda é cantada assim, e a gente
cantamos, cantamos, cantamos o “lírio roxo” como se canta mais ou menos aqui na
margem esquerda e que é muito bem cantado, embora o final que aparece no “lírio
roxo” para mim me diga (ou modifica?) pouco, “chiro-biro-biro para t’amar meu
bem” não sei onde é que vão buscar essa frase “chiro-biro-biro”, pronto, mas
cantam, não interessa, cantam, mas o “chiro-biro-biro” é que me parece que sai
fora da letra daquela história, pode não sair da história do “meu lírio roxo”,
não é, pronto. Cantamos “Alentejo, Alentejo”, cantamos como se canta na margem
esquerda que é o ponto cantar a cantiga os dois primeiros versos e depois o
grupo entrar a cantar o resto da cantiga e depois entrar-se na moda. Cantamos o
“Fui dispor a salsa verde”, talvez não cantemos exactamente como se canta na
margem direita porque a pessoa que nessa altura tínhamos no grupo que era dessa
área de Serpa talvez não fosse capaz de nos indicar precisamente os pontos em
que a música se decifrava, cantamos, por exemplo, “a ribeira do Enxoé”, o Cachola
até um dia ficou admirado aqui em Beja de a gente vir a cantar aquela moda, “a
ribeira do Enxoé” que é na margem esquerda, enfim, o Barreiro não tem modas, a
gente temos de jogar as mãos às modas que há por aqui nesta área. Agora vamos
tocar outro tema. Ah! Mas eu ainda queria dizer outra coisa. Por exemplo, na
região de Almodôvar, canta-se muito uma moda que eles até dizem que foi feita
lá, que é de lá, o Galo. É uma moda bonita. Simplesmente, nós temos outra
maneira de entrar na moda. Era uma maneira que eu escolhi, que eu gostei, para
cantar esta moda, a gente tem de cantar assim, pronto. Não sei se estará bem se
estará mal mas está à minha maneira e como eu é que sou o mestre do grupo sou
eu que dou os bons dias. “A Mariana Campaniça” cantamos “A Mariana Campaniça”
também, uma moda muito bonita que o Dr. José Francisco em Castro Verde se canta
especialmente as violas campaniças, gostamos muito de cantar “A Mariana
Campaniça” e assim sucessivamente, cantamos aquilo que podemos, não cantamos
aquilo que queremos, cantamos aquilo que podemos que é diferente. Cantamos
aquilo que podemos. “Ao romper da bela aurora”, quantas versões há do “ao
romper da bela aurora”? “Ao romper da bela aurora”, aquela versão mais
tradicional é: “ao romper da “ isto é a versão original, mas depois disso
(canta) “ao romper da bela aurora”, e a outra versão (canta) “ao romper da bela
aurora” , “eu ouvi um passarinho” também é “ao romper da bela aurora”. Ainda há
outra versão do “ao romper da bela aurora” (canta) “ao romper da bela aurora”,
também essa, “sai o pastor da choupana”, “sai a pomba do pombal”. Há uma porção
de versões. Porque é que os grupos corais se hão-de repetir ou hão-de cantar
coisas que não têm determinado interesse? Agora e para ser breve vou focar
aquilo que eu penso do musical. No tempo dos tais bailaricos, dos bailes de
acordéon, chamava-se ao acordéon a música a metros, porque geralmente as
pessoas que apareciam a tocar nesses bailes tinham pouco ouvido ou sabiam pouca
música. Sabiam tocar pouco e então lá acertavam o compasso e aquilo a gente
chamava “música a metro”. Daí talvez venha o desconforto, se ouvir um grupo ou
um grupo musical a tocar e não interpretar devidamente aquilo que é a moda
alentejana que eles estão a executar. Mas eu penso que isso talvez parta de um
princípio, do ensaio. Se um grupo musical ensaiar primeiro a moda, não fugir do
seu ritmo, a parte musical depois vai entrar dentro desse ritmo, não deve fugir
dele. Vai buscar o tom que eles estão a cantar, se for isso, se for assim parece-me
que está a interpretar fielmente aquilo que será o cante alentejano, as modas
alentejanas, porque a música faz parte, a gente estamos aqui a falar, a música
é a arte dos sons, a eu a falar estou a dar música a vocês. Não será? O que é
que acontece? Tudo aquilo que é falado, cantado, pode ser musicado. O que hé é
poucas pessoas que sejam capazes de transportar fielmente para o papel,
portanto, para a música, o cante alentejano nas suas várias versões. Isso é que
é capaz de ser o grande obstáculo porque qualquer das modas que se canta, sei
lá, então os homens fizeram as modas, fizeram também tanta peça, tanta ópera,
tanta coisa dessas, então não eram capazes de transportar o cante alentejano
para a música? Talvez que interpretam não sejam capazes. Isso é outra coisa.
Agora que o cante alentejano, na minha opinião, musicado, deve existir e deve
ser conservado, não deve ser adulterado, que é outra coisa. Não deve ser
adulterado. Eu tenho pena de não estar aqui o Dr.
Francisco Torrão, ele teve aqui na primeira parte, eu não quis intervir, e como
ele não está aqui eu acabo aqui a minha intervenção, porque eu queria fazer-lhe
umas perguntas, mas como ele não está aqui, não merece a pena eu falar porque a
pessoa não está presente e então não merece a pena.
Muito
obrigado pela atenção que me dispensaram.
José
Coelho
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