TRATADO DO CANTE - Terras do Cante:
MONTOITO
– Terra de Encantos:
O
nome dos poetas populares....
(...)
No
contexto de uma sala de aula
Não
estarem esses nomes me dá pena
A
escola devia ensinar
Pro
aluno não me achar um bobo
Sem
saber que os nomes que eu louvo
São
vates de muitas qualidades
O
aluno devia bater palma
Saber
de cada um o nome todo
Se
sentir satisfeito e orgulhoso
E
falar deles para os de menor idade
O
nome dos poetas populares
(...)
Poema
de Padre António Vieira. Maria
Bethânia
dá voz e alma (CD Pirata, faixa 12).
Que
deveria estar na boca do povo.
Registo
de memória
Longe
vão os tempos da minha infância.
Recordo-os
com muita saudade. Tive uma infância rica! Foram-me dadas
possibilidades e ocasiões de leitura e de grande entendimento sobre
tudo o que me rodeava. Soube ler!
Na
minha terra «Montoito» havia tudo e de quase tudo para a
minha evolução. Registo com agrado esta paixão pelo cante que me
alimenta desde então. De tal maneira o cante está entranhado que
ainda hoje não consigo despegar na tentativa de saber ainda mais
sobre tão nobre forma de ser e querer.
Quando
eu oiço o bem cantar
Paro
e tiro o meu chapéu
Não
se me dava morrer
Se
houvesse cante no céu (1).
Recordo
aqueles tempos em que nas tabernas, palco privilegiado de tantas
modas: umas de passatempo e outras de amarfanhamento; algumas de
festa mas ainda outras de tristezas. Mas era encantador ver grupos de
jovens, mais ou menos da mesma idade, que depois de um copo, um
petisco, uma boa moda, saíam em grupo, circulavam pelas ruas e onde
morava uma namorada de alguém do grupo, paravam, faziam um círculo
e então o ponto (pretendente) começava com uma cantiga quase sempre
dirigida à pretendida e logo surgia a moda levantada pelo alto a dar
entrada ao coro dos restantes elementos. Era assim na minha meninice.
E eu registei esses momentos que sempre me acompanharam.
Quando
a mocidade passa
À
minha porta cantando
Venho
me assumar à porta
Volto
para trás chorando (2).
Era
ainda nas tabernas que os homens alentejanos se uniam, depois de um
dia de trabalho; de um dia de festa; de um dia em que o capataz não
o contou para a jornada de trabalho; e até por outros motivos de
compensação para alegrias e desgraças que a todos ocorrem, certos
das suas fraquezas e forças, onde atrás de um copo de vinho e de um
petisco surgia uma cantiga e a moda que então andava na moda; depois
outra cantiga... a mesma moda (3).
Venha
o copo, venha a pinga
Venha
mais meia canada
Eu
sem o copo não bebo
Sem
a pinga não sou nada (4).
No
campo era a labuta. E que labuta! Os homens tinham que se levantar
muito cedo para que ao nascer do sol estivessem prontos para enregar
a trabalhar: a lavoura..., a sementeira..., naqueles dias de invernia
onde parecia que o céu vinha abaixo, lá iam os homens sujeitos à
inclemência do tempo e das necessidades. Ainda hoje rememoro a saída
das parelhas, com toda a ocharia da lavoura, sob um intenso nevoeiro,
vento e chuva e lá iam para as terras de barro da herdade da Casa
Alta. Logo à saída do monte, não se via nada, só se ouviam as
esquilas dos cabrestos dos animais. Era para o pão nosso de cada
dia.
LAVOURA
(Almocreve) (5)
Ponto:
A vida dum almocreve
É
uma vida arriscada
Ao
descer duma ladeira
Ao
cerrar duma carrada
Ao
cerrar duma carrada
Alto:
Lembra-me os tempos passados
Tudo
se vai acabando
Coro:
Os bois puxando o arado
O
almocreve cantando
O
almocreve cantando
Alto:
O almocreve cantando
Cultivando
lindos prados
Coro:
Quando vejo alguém lavrando
Lembra-me
os tempos passados
Lembra-me
os tempos passados
Ponto:
Às vezes lá no meu monte
Faço
vazas de ganhão
Lavro
com dois bois vermelhos
Que
fazem tremer o chão
Que
fazem tremer o chão
Alto:
Lembra-me os tempos passados
...
Depois
vinha a monda e era vê- las, as mulheres que saíam de casa, ao
grito da manajeira, que no início de cada rua da vila, as ia
chamando para a monda, numa herdade a uns quilómetros de distância.
Sinto ainda nos meus ouvidos aquele chamamento cantado que engrenava
no processo de início da jornada (6).
A
ceifa. Grandes ranchos de homens e mulheres. Grandes searas. Sol
abrasador. Mas... era uma alegria! Lá no fundo das minhas memórias (7) ainda vislumbro aquela chegada à vila, de um rancho que tinha
acabado a ceifa na herdade da Mencoca, “que estímulo orientava
aquela gente para aquele transbordar de alegria?” Ainda vinham a
alguns quilómetros da vila e já se ouviam a cantar. Foi muito
envolvente.
VERÃO (8)
Ponto:
Verão, a brasa dourada e celeste
Esvaiu
do Sol agreste
Dourando
mais as espigas
Ceifeiros
corpos curvados
Ceifando
e atando molhos
E
benção loira da vida
Alto:
Meu Alentejo
Coro:
Enquanto isto se processa
O
Sol ferido e sem pressa
Queima
mais a tez bronzeada
O
suor rasga a camisa
Homem
queimado mais fica
A
vida é feita de brasa
Ponto:
O suor caustica os corpos
Os
ceifeiros vão ceifando
Sem
parar no seu labor
O
seu cantar é dolente
É
certo que é boa gente
É
verdade e tem mais sol
Alto:
Meu Alentejo
Coro:
…
Do
campo retenho ainda com grande intensidade o cheiro da terra, a
rotina da volta do gado, o enleio do cantar dos pássaros... Tudo
isto ainda me traz cativo. Ser pastor, num tempo de interiorização,
no bom uso das suas faculdades com o sentido de liberdade e de sã
convivência com a natureza, com a cumplicidade dos animais que
guarda, com a ajuda do seu cão macaco, do ajuda, dá forçosamente
muita capacidade criativa. É com este embevecimento que se fizeram
grandes modas ao pastor. Bem Hajam os seus criadores!
A
PLANÍCIE ALENTEJANA (9)
Ponto:
No alvor da madrugada
Sai
o gado p’ra pastagem
Num
silêncio tão profundo
Lembra-me
assim a vida selvagem
Alto:
Na planície alentejana
Coro:
Oiço os chocalhos do gado
O
assobio do pastor
E
o latir dos cão macaco
Alto:
Debaixo do Sol escaldante
Coro:
Vão pastando nos montados
Na
planície alentejana
Oiço
o balir e os seus chocalhos
Ponto:
Desde o começo do mundo
Desbravando
a natureza
O
homem guarda o seu gado
Cheio
de amor carinho e beleza
Alto:
Na planície alentejana
Coro:
…
Registo
ainda como um facto marcante na minha caminhada, na UCP Estrela Negra
de Sousel, aquela adiafa no final da apanha da azeitona do ano de
1976, com um grande desfile pelas ruas de Sousel, onde as saias
cantadas à cooperativa e ao povo alentejano marcaram toda aquela
gente muito profundamente. Bem Hajam!
Chega
a hora de romper com esta vida. O sentido de arranjar mais proventos,
o dar outro padrão de vida aos filhos, não conseguíveis na sua
terra, fez com que os seus melhores partissem. Mas nunca houve
separação nem afastamento. Sempre se arranjaram motivos para se
estar perto do seu Alentejo. Esta ligação foi sempre feita através
do Cante.
QUANDO
EU CHEGUEI AO BARREIRO (10)
Vou-me
embora para Lisboa
Porque
a vida cá é má
À
busca de coisa boa
Pergunto
não encontro cá
Quando
eu montei no comboio
Que
assoprava pela linha
Às
vezes penso comigo e digo
Não
sei que sorte é a minha
Quando
cheguei ao Barreiro
No
barco que atravessa o Tejo
Chora
por mim que eu choro por ti
Já
deixei o Alentejo.
Corais
Alentejanos
Da
paixão chegou a necessidade de saber mais sobre o cante. As
primeiras tentativas foram muito desanimadoras. Não tínhamos ideia
nenhuma do que iríamos encontrar. De Encontro em Encontro foi sendo
recolhida a informação para o livro Corais Alentejanos, editado em
1997. Não é uma obra completa, nem exaustiva, mas que marca
profundamente o pensar sobre o cante, isso marca. Fica-se finalmente
a saber quem somos! É uma obra para consulta com informação de
grande utilidade. Dizia o Prof. Manuel Joaquim Delgado (11): “Ai
dos
académicos se não fossem os curiosos”.
Pode
ser que a partir daqui haja mais humildade e se criem os laços
oportunos para a justa posição do Nosso Cante!
Foram
inventariados 104 grupos:
61
em Beja: 45 masculinos; dois mistos; seis femininos; sete infantis;
um instrumental. 12 em Évora: nove masculinos; um misto; dois
instrumentais; 6 em Setúbal: três masculinos; um feminino; dois
instrumentais; 25 na diáspora (Lisboa/Setúbal): 22 masculinos; três
instrumentais.
O
lançamento do livro foi feito na Biblioteca Bento de Jesus Caraça,
na Moita em Outubro de 1997, durante a iniciativa “Viver Alentejo”.
De
todo o material recolhido para este trabalho: cassetes audio, discos
de vinil e Cd’s com canções tradicionais alentejanas e com
registos e entrevistas; documentação e livros, estão depositados
na Biblioteca Municipal da Moita, Pólo da Baixa da Banheira, onde
será digitalizado e divulgado, podendo assim ser
consultado
por qualquer interessado.
Grupos
Corais existentes em 1997 na Diáspora (Lisboa/Setúbal) (12)
in:
Corais Alentejanos
Almada
-
Grupo Coral “Amigos do Alentejo” - Clube Recreativo do Feijó
Amadora
-
Grupo Coral Alentejano da Soc. Fil. Recreio Artístico da Amadora.
-
Grupo Coral Alentejano da Brandôa
-
Grupo Coral “Os Alentejanos da Damaia”
Barreiro
-
Grupo Coral Alentejano “Os Amigos do Barreiro”
-
Grupo Coral Alentejano “Unidos do Lavradio”
Cascais
-
Grupo Coral “Estrelas do Guadiana”
-
Ass. Cultural e Recreativa dos Alentejanos Residentes em Tires
-
Grupo Coral Alentejano Bairro Além das Vinhas
-
Clube Desportivo e Recreativo “Os Vinhais”
Entretanto
dos inventariados em 1997 acabaram os grupos do Bairro Além das
Vinhas; As Andorinhas; Os Unidos do Alentejo; Ac. de Linda-a-Velha; e
Ecos do Alentejo. Mesmo assim e depois de 1997 foram criados os
Grupos: Cantadeiras da Alma Alentejana; 1º. de Maio do Bairro
Alentejano; e Amigos do Independente de Setúbal. O Grupo “Os
Sadinos” ainda está em actividade agora com o nome de “Amigos
dos Sadinos”
Loures
-
Grupo Coral da Liga dos Amigos da Mina de São Domingos
-
Grupo Coral e Instrumental “Ecos do Alentejo”
Moita
-
Grupo Coral União Alentejana da Baixa daBanheira
-
Soc. Recreativa e Cultural União Alentejana da Baixa da Banheira
Oeiras
-
Grupo Coral Alentejano da Academia Recreativa de Linda-a-Velha
-
Grupo Coral Instrumental “Norte Sul”
Palmela
-
Grupo Coral “Ausentes do Alentejo”
Seixal
-
Grupo Coral Alentejano dos Serviços Sociais das Autarquias do
Concelho de Seixal
-
Grupo Coral “Eco do Alentejo” –
Casa
do Povo de Corroios
-
Grupo Coral Alentejano “Lírio Roxo” –
Soc.
Musical 5 de Outubro
-
Grupo Coral “Operário Alentejano”
Centro
Cultural e Desportivo das Paivas
-
Grupo Coral e Musical Diversos do Alentejo
de
Pinhal dos Frades
-
Centro de Solidariedade Social de Pinhal dos
Frades
Sesimbra
-
Grupo Coral “Voz do Alentejo” da Quinta do Conde
Setúbal
-
Grupo Coral os “Os Unidos do Alentejo” Cp. H. Ct. Ec. Bem-Vinda
Liberdade, CRL - Faralhão
-
Grupo Coral do Clube de Futebol “Os Sadinos”
Sintra
-
Grupo Coral Alentejano “Os Populares do Cacém”
-
Grupo Coral da AFAPS “As Andorinhas”
Vila
Franca de Xira
-
Grupo Coral “Unidos do Baixo Alentejo”
1º
CONGRESSO DO CANTE ALENTEJANO
Realizado
em Beja em Novembro de 1997, este congresso organizado pela Casa do
Alentejo, ocorreu numa altura terrível e penosa para o Povo
alentejano. Mas realizou-se! Como prova disso e para que conste, foi
feito um livro que se chama: “Que modas? Que modos? - 1º.
Congresso do Cante – Actas” , editado pela Faialentejo, em 2005.
Foi lançado na ilha do Pico e em Évora.
Resumo
das Conclusões:
Podemos
sintetizar em seis pontos as grandes conclusões deste Congresso:
1.
O incentivo à investigação da génese, ainda desconhecida, em
certa medida, do cante alentejano, havendo quem sustente a sua origem
gregoriana, eclesiástica ou cristã e quem advogue a sua origem
arábica ou islâmica.
2.
O desenvolvimento de esforços no sentido da constituição de um
organismo que seja depositário da memória da idiossincrasia do
cante alentejano - um arquivo audiovisual do Alentejo. Neste deverão
figurar as gravações sonoras (comerciais ou de campo); os registos
visuais dos grupos de cante entoando as melodias, narrando estórias
da vida, etc.; os livros e diverso material iconográfico; os trajes;
os objetos de artesanato, de trabalho, mineiro, rural, etc.; a
colaboração com as Universidades ou outras escolas, onde lecionem
especialistas do cante, poderá e deverá existir.
Poderá
este arquivo estar incluído num futuro Instituto Alentejano da
Cultura / Desenvolvimento.
3.
A inserção da teoria e da prática do cante alentejano nos
programas escolares, havendo quem sustente essa incorporação nas
escolas de ensino público e quem defenda a criação de escolas de
cante independentes do poder do Estado (13).
4.
A preservação da etnomusicologia alentejana como um todo (o cante,
o despique, o baldão a viola campaniça), nesta matéria as opiniões
dividem-se, os mais fixistas sustentam que os espetáculos de cante
se devem realizar com o traje a rigor tradicional; outros
evolucionistas advogam que o cante deve manter a sua genuinidade
musical, mas as letras das canções e os trajes podem evoluir e ser
adaptados a este final do século XX e a inclusão no cante da voz
feminina (14).
5.
A vinculação das autarquias em todos os concelhos alentejanos, na
defesa e propagação do cante. As câmaras municipais deverão dar
apoio logístico (transporte, sedes para grupos corais, imprensa,
etc.) e financeiro aos grupos e escolas de cante, sem que estas caiam
no domínio da política partidária.
6.
A formação de uma federação de folclore alentejana - a Federação
de Grupos Corais Alentejanos que poderá ser a força motriz da
formação do arquivo audiovisual do cante alentejano e dos próximos
Congressos do cante alentejano (15).
Beja,
9 de Novembro de 1997
Senhor
Alentejo
“Ao
Vitor Paquete
Da
verticalidade do “sonho” ao horizonte das realidades,
Vitor Paquete sempre acreditou nas
Razões do seu Povo, na sua História e na sua
Cultura.
Por
elas lutou uma vida inteira, sofrido, esperançado.
(...)
Hoje,
memória constante das Coisas, lembro-me
de vivências, de acontecimentos, de estórias
felizes, cativantes, dramáticas ou irónicas,
em que a personalidade do Paquete contagiava
pela erudição, pelo empenho exaustivo,
da sua grande alma Alentejana.
Hoje,
compadre dos quatro costados,
(...)”
palavras
de António Galvão, “Pintor
do Cante”
Lembrando
Vitor Paquete
Hoje,
que nos chegam recados de alma alentejana
Hoje,
que nos viram do avesso as modas
Hoje,
que se levou ao cante a fórmula da sobrevivência
Será
oportuno malhar na eira dos justos
E
crer que é possível amedrontar o silêncio
Dos
que se instituem no poder inocente
E
procurar no Povo do Teu Alentejo
A
justiça de te fazer valer
(...)
de um camponês do Baixo-Alentejo (...):
«Ajudem-me
que eu não posso
Cantar
a moda sozinho
A
moda está muito alta
E
o meu cantar é baixinho.»
in:
Jornal de Notícias, Suplemento
Literário, pág. 5, de 4 de Agosto de 1957.
Tratado
do Cante
(Uma
pequena entrevista, como introdução justificativa, para este imenso
e meritório trabalho a que JFP, decidiu abalançar-se... e já leva
mais de uma dezena de anos...)
“Gostava
de lhe fazer umas perguntas:
-
Qual a sua profissão?
-
Porque se dedica ao estudo do cante?
-
Quanto ao Congresso do Cante, como se processou a sua organização e
de que modo foi o Sr. o comissário?
(...)
Cumprimentos,
J
Moniz”
...
Caro
amigo,
Sobretudo
sou alentejano, amante da sua Pátria e dos seus valores. Nasci em
Montoito filho de um pastor e de uma mondadeira, com boas vozes e
paixão pelo cante que mo incutiram. A profissão pouco conta para
isto. Motivos vários me fazem correr atrás do cante: a paixão, o
eterno sabor, o mais que evidente Alentejo (terra forte e
esmagadora). Tudo isto: porque não posso, nem quero, contornar as
minhas raízes. Então o melhor é respeitá-lo, amá-lo e
praticá-lo. Procurarei sempre fazê-lo da melhor maneira que sei.
Daí até ao Congresso foi um passo. Feito o inventário dos Grupos
existentes, que deu um livro: “Corais Alentejanos”, logo o
convite para comissariar o Congresso.
Atenção
que a Organização foi da Casa do Alentejo de Lisboa.
Estarei
sempre ao dispor para as Boas causas e o Cante é uma Boa causa.
E
foi aqui que ficou marcado o traço de união para este trabalho que
esperamos ter prontono final deste ano de 2019. Assim os poderes
instituídos e sobretudo os elementos dos Grupos se motivem para que
o resultado se torne num bom Tratado sobre o cante alentejano.
Não
tem sido fácil o relacionamento com as instituições. Da parte da
Direcção Regional da Cultura do Alentejo acabamos de receber uma
informação: “de momento não podemos apoiar este trabalho”. Das
autarquias tem aparecido algum interesse, mas muito comedido.
Em
contrapartida temos recebido todo o apoio e disponibilidade dos
elementos dos Grupos Corais.
Para
este trabalho prepara-mo-nos para recolher os elementos necessários
que respondam e dêem significado a:
– O
Ser Alentejano
– A
Motivação Alentejana
– A
Vestimenta
– As
terras do Cante
– O
Cante
– As
Cantigas
– As
Modas
– Os
Ranchos/Grupos
– Os
Mestres
– Os
Cantadores
– Os
Pontos/Solistas
– Os
Altos (Falsete)
– O
Coral
-
Os Registos Fonográficos
– A
História do Cante
– O
Cante na actualidade
– O
Futuro do Cante
-
A Bibliografia
Para
nós, o Ser, com nomes e tudo o que dê resposta à criatividade, faz
toda a diferença. E é da diferença que nos valemos: diferença de
Ser Povo e não mais que isso.
ALENTEJO,
ALENTEJO
Ponto:
Eu sou devedor à terra
A
terra me está devendo
A
terra paga-me em vida
Eu
pago à terra (em) morrendo
Alto:
Eu pago à terra (em) morrendo
Coro:
Eu sou devedor à terra
Eu
sou devedor à terra
A
terra me está devendo
Alto:
Alentejo, Alentejo
Coro:
Terra sagrada do pão
Eu
hei-de ir ao Alentejo
‘inda
que seja no verão
Alto:
Ver searas a loirar
Coro:
Nessa imensa solidão
Alentejo,
Alentejo
Terra
sagrada do pão
O
Cante
Situação
geográfica
É
indiscutível que no Baixo Alentejo, na área geográfica que vai da
Serra de Portel a Norte até ao início do Algarve a Sul, e da
fronteira da Espanha a Leste até ao mar a Oeste, há uma forma de
cantar em polifonia específica a que se chama cante.
Das
origens
De
onde vem este mavioso canto que nos toca no mais íntimo do ser? Que
ondas
magnéticas
e que sentir misterioso e profundo fizeram chegar até nós e
perdurar
esta
forma de cantar? Nunca se saberá ao certo a origem do cante. Paulo
Lima fez uma síntese das tendências conhecidas: origem autóctone,
baseada em cantos litúrgicos pré-romanos; berbere, do tempo em que
os árabes estiveram no sul; do cantochão. E ainda do Norte do país,
de Entre Douro e Minho, trazido no tempo da Reconquista; ou restos de
cantos eslavos ou de ópera italiana do século XVIII. Interessantea
hipótese, tal como se sabe do canto polifónico da Córsega, de ter
sido trazido por franciscanos mendicantes que o utilizariam para
difundir o cristianismo no Sul. Assim sendo, o cante do Baixo
Alentejo todo ele teria tido origem no canto religioso, o que não
choca mesmo nada, na medida em que há um considerável número de
canções sobre a natureza, de acordo com o modelo franciscano,
baseado no homem de Assis que tratava por irmãos tanto o sol como o
lobo. E agora interrogo-me eu, toda a música não terá origem na
religiosidade? Religiosidade, entenda-se, no seu sentido etimológico
de ligação ou religação. Quando alguém canta não é para ser
ouvido por outrem? A música não nos une e eleva a todos?
Das
mutações
Perdendo-se
a origem do cante, não restam dúvidas de que houve ao longo dos
tempos fatores que o forjaram, limando-o, introduzindo- lhe algumas
alterações, de acordo com as mudanças da comunidade que o praticou
e que o fizeram chegar aos nossos dias da forma como o ouvimos.
Aponta-se como uma das hipóteses as influências de frades
residentes em conventos do Alentejo como o da Serra de Ossa e o de
Serpa. Deviam ser frades conhecedores de música e que poderão ter
tido um papel importante na fixação do cante. Na verdade,
surpreende a quantidade de cânticos religiosos ainda hoje vivos na
tradição alentejana. Exemplo disso são os espetáculos de Cânticos
ao Menino pela altura do Natal e pelos Reis. Outras influências são
conhecidas como a origem da postura atual dos grupos de braços dados
numa mesma cadência que data da década de trinta do século
passado. As transformações socio culturais provocadas pelas
alterações sócio económicas fruto da saída de soldados para os
Açores durante a Segunda Guerra Mundial, para a guerra colonial na
década de sessenta e das migrações para as zonas de Lisboa e
Setúbal (avalia-se em 30% os que para estas zonas saíram entre 1950
e 1970) e mesmo para o estrangeiro, e ainda as modificações que o
25 de Abril de 1974 veio introduzir, também são marcos a ter em
conta. Verifica-se atualmente uma tendência de aligeirar a moda nos
grupos de cante que se formaram na zona industrial de Lisboa e
Setúbal e as canções alentejanas que se cantam por todo o lado são
cantadas em ritmos mais rápidos. A poética, se bem que continue com
os grandes temas tradicionais (a natureza: árvores, flores, rios e
ribeiras, por vezes como metáforas do amor, da solidão, do
sofrimento... nomes de terras e pessoas...), adquiriu novos temas
como hinos dos grupos e cantares às terras de adoção.
Da
paixão
Não
há dúvida nenhuma que a maioria das pessoas que cantam nos Grupos
Corais alentejanos são verdadeiramente apaixonadas pelo Cante e isso
é difícil explicar por palavras. O Cante é a sua cultura,
está-lhes no sangue e, principalmente quem vivenciou o cante como
forma natural fazendo parte do trabalho, hoje sente vontade de lhe
dar continuidade e isso agora só ou quase só em espetáculo e
gravação. O que terá levado já este ano a Liga dos Amigos da Mina
de S. Domingos a gravar em quatro Cd’s cerca de 200 canções?
Desejo de continuidade e paixão?!...
E
não serão as paixões a guiar o mundo?
Notas:
1 - Hoje posso... podemos ter presente o que esta quadra (cantiga) quer dizer. Este sentimento está entranhado no alentejano como fazendo parte do ser Ser.
2 - Hoje posso comungar deste sentimento com o envolvimento e a carga emotiva que esta quadra (cantiga) contém.
3 - Deixo aqui o registo de três tabernas, entre outras, da minha terra (Montoito) que existiam na minha infância: a do Zé Bagulho; a do Ti Feliz; a do Zé Palheta. Era nestas taberna que mais ouvia cantar.
4 - Não sei a origem desta quadra (cantiga). Julgo que não é do Alentejo. Mas vem a contendo.
5 - Esta moda foi feita por Estêvão “Olhicos” da Amareleja. É popular.
6 - Deixo aqui a minha homenagem à minha mãe, manajeira, que recordo com muita saudade. Bem Haja!
7 - Em finais da década de 50.
8 - Moda feita por Manuel Conde de S. Pedro do Corval para o Grupo Coral da casa do Povo de Reguengos de Monsaraz.
9 - Moda feita por Manuel Martins do Grupo Coral e Musical “Diversos do Alentejo” de Pinhal dos Frades.
10 - Esta moda parece-me ter sido feita na zona de Odemira. Não tenho a certeza.
11 - Grande estudioso “curioso”. Autor de Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo.
12 - Antes de 1996/97 já tinham ficado pelo caminho os Grupos da Abrunheira; Venda Nova; Cerromaior; Camarate e Carnaxide.
13 - Está a ser posta em prática nos concelho de Almodôvar, Castro Verde e Vidigueira.
14 - A prática assumida nos concelhos de Almodôvar, Odemira e Castro Verde leva-nos a crer que o futuro da viola campaniça
e do cante ao baldão está assegurado. O cante no feminino tem ganho posições em todo o Alentejo com a criação de muitos
grupos só com vozes femininas.
15 - A Associação A Moda é o resultado desta conclusão.
Mer
e Al-Zéi
2018,
Dezembro
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