000a TRATADO DO CANTE - Da alma alentejana:
“A
motivação para o cante é a que me vem de raiz: porque sou
alentejana; porque gosto; porque já na terra cantava; quando
vínhamos do trabalho, fazíamos paradinhas, em círculo, para cantar
as modas e porque também ajuda a passar os problemas”.
Mavilde
Nobre
Com
a força gregária que a sua poderosa terra lhes incute, os
alentejanos levam do berço a arte de cantar.
Não
fosse a necessidade, nunca o alentejano sairia do seu torrão natal.
A ausência dele, a lonjura do afastamento, arrasta estados
depressivos, fruto de enormes interrogações sobre o sentido da vida
dele distante.
Este
estado saudoso, no entanto, é mitigado pelo cante. Em grupo, as
vozes unem-se num cante melancólico que eleva o seu querido Alentejo
ao mundo, afastando assim a solidão.
A
existência de Grupos na zona da Grande Lisboa que conhecemos através
do trabalho de investigação e recolha, feito em 1996/97 e que se
encontra reproduzido no livro Corais
Alentejanos,
de José Francisco Pereira, editado em 1997, é o nosso cartão de
apresentação para um trabalho mais aprofundado que estamos a
desenvolver tendo em vista um Tratado sobre o Cante Alentejano. A
nossa curiosidade leva-nos à procura de respostas cujas dúvidas se
levantaram: Como se comportam os grupos nas terras de acolhimento?
Qual a sua aceitação pela comunidade? Que gente é esta que ainda
canta o seu Alentejo?
Do
nosso querer bem e de acordo com a nossa sensibilidade prometemos um
Tratado que fale das pessoas que cantam e das suas motivações.
Queremos dar
um trabalho que evidencie os Cantadores e as Modas com nomes e tudo o
que seja marca de tão Grande Alentejo.
Estamos
organizando material que temos recolhido mas também nos vamos
atualizando com o que de novo se vai fazendo. Para dar mais força ao
resultado do nosso querer estamos a entrevistar os elementos dos
grupos, um trabalho árduo mas compensador pela força das respostas
sentidas de alguns dos elementos. Os nossos interlocutores vão dando
respostas, a princípio na expectativa, mas depois vai ganhando forma
a paixão do Cante e a empatia vai assumindo a sua posição de
dádiva e entrega à causa. Esta coisa do cante traz sempre uma
grande entrega para quem o sente e vive e deixa sempre grandes
responsabilidades àqueles que o querem tornar seu, do seu Alentejo,
das suas vivências, do seu mal-andar, dos seus amores e desamores. É
muito coração.
Que
maravilhoso é ouvir homens e mulheres que na planície alentejana
cantaram antes, durante e depois do árduo trabalho, junto com gente
mais nova, já nascida longe do Alentejo!
Que
pó mágico habita os seus genes para, com tanto entusiasmo,
perpetuarem a memória do seu povo?!
É
verdade que um Povo que canta não morre. Neste sentido, é de louvar
o excelente trabalho que se vem fazendo nos concelhos do Alentejo ,
onde o ensino do Cante Alentejano foi incluído nos currículos
escolares. Que esta experiência perdure e se alastre aos outros
concelhos alentejanos.
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