09 009 TRATADO DO CANTE – Escrito:
«Gente Alentejana»
(…)
Ambos
felizes e radiantes rodopiaram nos braços um do outro, cantaram
umas décimas e repicaram as saias alentejanas obrigatórias nestes
bailes (Entrudo).
Quando atiraram ao ar o seu cantar mimosearam-se mutuamente com
versos ternos, apaixonados, de derriço amoroso tá sólido e
opulento como os sobreiros do campo onde ambos trabalhavam, regando a
terra com o seu suor bendito, essa terra que os antepassados regaram
com sangue libertador da independência alentejana.
…
É
acusada de rude e muito seca de espírito a gente alentejana. É sem
razão. O Alentejano é, até, bastante sensível, sentimental,
amorudo. Bem o dizem as suas canções, dolentes exatamente por serem
sentimentais; o seu falar lento, arrastado; os seus olhos profundos,
mouros, sonhadores; os desenhos que gravam nos tarros e nas cornas,
onde o coração aparece quase sempre como motivo principal, o que
também figura nos lenços de assoar e nas roupas que as raparigas
bordam; nos barros lustrosos e empedrados lá está, também, o
coração, como primordial motivo de decoração, quase sempre; nos
quadros e outros adornos recortados em cortiça figuram o pombo e a
rola, símbolos do amor e da ternura; no papel com que os namorados
se carteiam aparece, no alto, o pombo arrulhando, o coração
atravessado pela seta, a sangrar; na feira é preferido a loiça fina
que pintura alusiva ao amor, ao casamento; os postais ilustrados que
ornam as casas humildes versam sempre o tema eterno do amor; nos
quadros encaixilhados que vestem as paredes da habitação popular lá
está o amor, o namoro, o casamento, o bambino a ensaiar os primeiros
passos; quando morre um parente ninguém sente mais do que um
alentejano, o que bem se revela no seu carpir; acompanha-se logo a
família enojada e o cadáver ao cemitério.
(…)”
Casimiro
Mourato, Conto “ABNEGAÇÃO DE UMA ALDEÔ de
In:
“Almanaque Alentejano – 1955”. Edição da Casa do Alentejo,
Lisboa. Pág. 213 a 220.
Comentários