TRATADO DO CANTE – Alamaque:

Histórias do tempo da amoreira (I)

1.

As mondadeiras são como as aves, as ceifeiras como

Papoilas. Nenhum te ama como eu.     Assim

Falava minha avó.    Mas eu fugia para junto das raparigas.

Encantava-me o rodado das saias, o colorido das faces, o

Secreto jeito de contar histórias que lhes lia nos lábios.

2.

Pegava num sacho, numa foice e construía paixões.

Nesse tempo eu era agrícola. A árvore que era minha

Avó, digna, forte, firme, deixava-me crescer à sua

Sombra. Sabia de mim como eu sabia dela, irmãos de

Uma mesma raiz.

3.

Mais tarde parti à procura do mar. Fui marinheiro,

pescador, marítimo. Hoje entrego-me ao suave

compasso da tua água. As mondadeiras são como

as aves, as ceifeiras como papoilas... És, pois, um

pássaro, uma papoila. Tem cuidado com o vento.

Pode quebrar-te as asas, roubar-te as pétalas. Teus

Lábios podem voar para o longe...

4.

Conta. Apaixonadamente ouvirei as tuas histórias.

Irremediavelmente, poisarei o sono no teu colo. Suave

E terna, a música encherá os campos de trigo. Fará do

Teu corpo o terno alaúde. Fica. Dou-te a minha flauta

De pastor.

 


In: „Nem sempre à noite“, de Mário Contumélias. Capa de Fernando Contumélias de pintura (acrílico sobre tela) de Tiago Moleiro. Edição de Autor. 1997. Pág.s 56/57.

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